O velho e o novo
Meu tempo de vida e a intensidade das transformações que vi convocam minha atenção continuamente para este tema, observando com interesse as múltiplas e frequentes manifestações do velho e do novo que aparecem no dia-a-dia da nossa era. E obviamente nosso julgamento oscila entre a rejeição a aprovação, na preferência entre um ou outro dos aspectos inspirada pelo sentimento muito mais que pela razão. Por exemplo, vou assistir a um filme argentino interessante e bem feito, chamado “O homem ao lado”, e vejo claramente o novo homem argentino, internacional, tecnológico, sofisticado, pós-moderno, com sua família do mesmo modelo, e o velho argentino, que é exclusivamente argentino, bem argentino, típico como um tango no seu modo de ser, que nós, brasileiros, conhecemos bem. Fico com o velho, pela minha afeição antiga e enraizada, do mesmo modo como outros, que “não gostam de argentinos”, ficam com o novo, do mundo mais “civilizado”. Poderia dar outro exemplo de opção pelo velho na minha adesão aos vinicultores conservadores de qualquer parte, da França, da Argentina ou de Portugal, que resistem aos assédios dos capitalistas do setor, com suas tecnologias avançadas, seus equipamentos, suas rolhas modernas e suas assessorias econômicomercadológicas. Vi isso também em filme e fiquei com o velho. Quando se trata de observar o comportamento das sociedades, seu modo de ser, o que têm de novo e de velho, o que as distingue das demais neste diálogo entre as suas partes mais avançadas e mais atrasadas, meu coração costuma pender fortemente para o lado do novo. Esse é, aliás, um julgamento, uma apreciação especialmente interessante para um político antigo de um país também muito dinâmico, como o Brasil. Escolho dois casos para exemplificar: o de Cuba e o da Espanha. Toda a paisagem física das cidades de Cuba, toda a atividade produtiva da sua economia, tudo é de uma velhice chocante, uma velhice feia como a dos organismos decadentes, que atesta, indubitavelmente, o fracasso do sistema político-econômico imposto pela revolução dos anos cinqüenta; sistema político, aliás, dirigido por um grupo de líderes altamente envelhecidos, que faz lembrar a gerontocracia soviética que levou ao desmoronamento. Entretanto o povo cubano parece suportar com incrível estoicismo o peso enorme daquela decadência tão duradoura e vazia de expectativas. Há mais de 50 anos o regime se afunda economicamente mas se sustenta politicamente contra todas as gigantescas pressões e tentativas de derrubada feitas pela enorme nação vizinha, inimiga declarada que é a maior potência militar e econômica de todos os tempos do mundo. Como isso é possível? Por que razão isso acontece? A opressão existe mas não parece aterrorizadora, desencorajadora de rebeldia pela crueza da violência. Não. Certamente há outra razão, algo de especialmente novo, tão importante que contrabalança a decrepitude geral. Não sei precisar o que seja, não tenho a vivência necessária daquela realidade. Visitei a Ilha há mais de 20 anos, e já, então, observei a velhice chocante. A comunicação com o povo na rua não é difícil, a proximidade da língua facilita. Queixas havia, a pobreza era realmente franciscana, e franciscana no sentido moral ou espiritual, isto é, pobreza com alguma dignidade, sem miséria e igual para todos. Não se viam mendigos, não se morria de fome mas faltava papel higiênico, sabonete, absorvente feminino. E queixas há obviamente ainda hoje, relatam os amigos que vão até lá. Queixas certamente mais numerosas e pesadas. Entretanto a rebelião não explode, mais de 20 anos se passaram! Que força sustenta tudo isso?
Roberto Saturnino Braga é ex-senador e presidente do ISB – Instituto Solidariedade Brasil
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