segunda-feira, 12 de junho de 2017

Senado realiza sessão especial para discutir os 25 anos da Eco-92

Pronunciamento do Senador Fernando Collor
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores,
Demais convidados aqui presentes,
Há 25 anos, em 3 de junho de 1992, o Brasil inaugurava a maior conferência internacional de todo o século XX. Recebíamos chefes de Estado e de Governo de 179 países, representantes de todos os grandes organismos internacionais, de todas as organizações não-governamentais que tratavam da sustentabilidade de nosso planeta.
Naquela primeira quinzena de junho, as atenções da humanidade estiveram voltadas para as questões essenciais da vida, do desenvolvimento e da justiça na Terra. E o Rio de Janeiro foi o cenário dessa nova consciência, dessa nova vontade, dessa nova esperança.
Animava-nos, a todos, o “espírito do Rio”, como o definia Boutros-Ghali, então secretário-geral das Nações Unidas. Inspirava-nos o desafio histórico e a obrigação ética de forjar um novo modelo de desenvolvimentoA Rio-92 significava uma oportunidade histórica de redenção e a oportunidade para que o Brasil pudesse ser o palco de um novo contrato social internacional que, inspirado no princípio da solidariedade, pudesse unir toda a comunidade dos Estados em torno de uma causa comum. E assim fizemos.
Sr. Presidente, Senhoras e Senhores, tenho o orgulho de não ter poupado esforços, como Presidente da República à época, para que os caminhos do desenvolvimento sustentável se tornassem mais nítidos e mais consolidados. Aqui, durante a Rio 92, firmamos três acordos ambientais, assinados por 175 líderes, e posteriormente ratificados pela imensa maioria dos países: a Convenção sobre Diversidade Biológica; a Convenção para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca; e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
Aqui elaboramos a Declaração de Princípios sobre Ecossistemas Florestais. Aqui formulamos a Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, versão seminal da Carta da Terra. Aqui definimos a Agenda 21, documento-base para a elaboração dos planos nacionais de preservação do meio ambiente e principal instrumento de avaliação do desempenho ambiental dos países signatários.
No Rio de Janeiro, opusemos, à perspectiva de um futuro distópico, a utopia de um congraçamento universal; combatemos o imediatismo com o planejamento de longo prazo; e exortamos o mundo à paz e à justiça social.
Reconhecemos ali a diferença entre poluição consciente, proveniente do excesso, e poluição inconsciente, derivada da falta. E admitimos que os adversários mais persistentes do equilíbrio ambiental são a ganância: a busca do lucro a qualquer preço; e a miséria: a busca da subsistência por qualquer meio.Em oposição a um e outro, enfatizamos a necessidade de um princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, com compromissos específicos para as nações desenvolvidas. E encorajamos uma reconversão econômica que produzisse estabilidade regional e global, que pacificasse a disputa entre os detentores dos recursos genéticos e os detentores dos meios científicos e tecnológicos, e que permitisse o desenvolvimento social sem degradação da natureza e com impacto ambientalassimilável.
A partir da Rio-92, a consciência de nossa biodiversidade e das potencialidades da biotecnologia se tornou mais disseminada; a disposição para a proteção ambiental, mais amadurecida; e as alternativas de desenvolvimento sustentável, justo e equilibrado, mais concretas. Cheguei mesmo a sugerir, à época, que passássemos a mensurar o Produto Nacional do Bem-Estar, que incluiria indicadores de liberdade e harmonia social, de diversidade cultural, de integração racial e respeito ao meio ambiente.
E aqui, Sr. Presidente, registro a importância e o papel doSecretário Nacional de Meio Ambiente de meu governo, entre 1990 e 1992, José Lutzenberger. Apesar de reações contrárias ao seu nome por setores mais conservadores, ele se mostrou a personalidade determinante na inspiração, na condução e na disseminação da causa ambiental e nos resultados da Rio 92. A ele, in memoriam, rendo as minhas homenagens e o meu agradecimento, assim como, também in memoriam, ao governador do Rio de Janeiro em 1992, Leonel Brizola, e ao então prefeito da cidade, Marcelo Alencar.
Da mesma forma, devo ressaltar a imprescindível atuação do Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, nas discussões e negociações em foros internacionais para definição do Brasil, e do Rio de Janeiro, como sede daquela segunda Conferência Mundial das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Sua habilidade na articulação diplomática garantiu a escolha brasileira para a Rio 92 e, ao mesmo tempo, o cargo de Secretário Executivo da Conferência ao canadense Maurice Strong, cujo país também pleiteava recepcionar o encontro. Igualmente, a ele, Maurice Strong, bem como ao Embaixador Marcos Azambuja, Coordenador da Conferência no Brasil, aos Embaixadores Carlos Moreira Garcia e Marcílio Marques Moreira e, ainda, aos ministros da Relações Exteriores Francisco Rezek e Celso Lafer, devemos reverenciar pelacompetência e dedicação aos trabalhos da Rio 92.
Sr. Presidente, Senhoras e Senhores, procurei fazer, de meu governo, o exemplo a ser seguido, com a demarcação de terras indígenas dos Ianomâmi, dos Caiapó e dos Mekrãgnoti; com a assinatura do acordo Brasil-Argentina para o uso exclusivamente pacífico da energia nuclear; com as diligências, junto à Agência Internacional de Energia Atômica, para contra-arrestar a corrida armamentista e a proliferação nuclear, bem como banir as armas químicas e bacteriológicas; e com uma política de conservação, de proteção e de recuperação ambiental que estivesse em consonância com os objetivos e as metas definidos na Rio-92.
A Rio-92 representou um divisor de águas. Três anos mais tarde, as conferências anuais das partes – as COPs – começaram a detalhar as estratégias para um mundo mais hígido. Na COP-3, em 1997, em Quioto, Japão, firmou-se o Protocolo para a redução das emissões de gases do efeito estufa, e foram criados os certificados de carbono e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Na COP-5, em 1999, em Bonn, Alemanha, tiveram início as reuniões sobre a mudança de uso da Terra e das florestas. 
No entanto, a agenda ecológica terminou por ser atropelada pela nova ordem mundial, que, sobretudo a partir do início dos anos 2000, voltou a colocar o planeta em segundo plano.Diferentemente do esperado, a multipolaridade que emergiu da Guerra Fria não nos trouxe um mundo de paz e harmonia, mas de guerras e disputas localizadas, acirradas pela ameaça terrorista. Neste choque de civilizações, neste clima generalizado de instabilidade e insegurança, nesta competição fratricida entre blocos regionais, a primeira vítima foi o consenso ecológico internacional.
Embora a agenda global tenha sido irreversivelmente afetada pela Rio-92, os instrumentos elaborados durante a Cúpula da Terra terminaram por se revelar insuficientes: a não-ratificação do Protocolo de Quioto pelos Estados Unidos e uma nova escalada de políticas isolacionistas fizeram com que as metas estipuladas fossem objeto de um relaxamento generalizado, ainda que as anomalias climáticas confirmassem uma tendência de aquecimento global que precisava ser urgentemente estancada.
Foi então, Sr. Presidente, Senhoras e Senhores, que, para resgatar o “espírito do Rio”, requeri a este Senado, em 2007, a realização de um novo encontro, a Rio+20, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2009, e realizado no início de junho de 2012, quando expiravam as metas iniciais propostas pelo Protocolo de Quioto.
A Rio+20, embora tenha produzido resultados importantes, não teve o mesmo poder e o mesmo alcance da Cúpula da Terra.Mas conseguimos, ali, operar a defesa do legado conceitual e jurídico da Rio-92 e consolidar o princípio do não-retrocesso, de forma a evitar que prosperassem as tentativas revisionistas de recuo em relação aos objetivos, metas e direitos acordados nas convenções e nos tratados internacionais já firmados, que erigimos em patrimônios irretratáveis da comunidade de nações.Trata-se de princípio jurídico fundamental nos diversos postulados ambientais, que serve de contrapeso a possíveis decisões políticas.
Também avançamos em relação às alternativas e perspectivas da economia verde e de governança global. E reafirmamos a interdependência entre os três pilares do desenvolvimento sustentável: o pilar econômico, o pilarambiental e o pilar social. Mas, não posso deixar de observar que nos deparamos com um déficit de implantação que, ainda hoje, nos impede de avançar mais.
A emenda de Doha ao Protocolo de Quioto, um dos subprodutos da Rio+20, que estabelece novas metas de redução de emissões até o ano de 2020, foi aprovada, até o momento, por apenas 77 Estados, metade do requerido para que entre em vigor.
A saída da Rússia, do Canadá e do Japão, que haviam ratificado a primeira versão do Protocolo, complica ainda mais o cenário. A própria demora do Brasil em ratificar a Emenda é constrangedora: o Projeto de Decreto Legislativo, o PDC 433, de 2016, que trata do tema, está parado na Câmara dos Deputados desde o fim do ano passado, aguardando parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. 
É bem verdade, Sr. Presidente, Senhoras e Senhores, que, nesse meio tempo, ratificamos o Acordo de Paris costurado na COP-21, cujo objetivo é limitar o aquecimento global a menos de 2 graus Celsius até o ano 2100, em comparação com as temperaturas médias da era pré-industrial. O Brasil se comprometeu com a redução de 37% das emissões de carbono até 2025, e com o indicativo de redução de 43% até 2030, tomando por base o ano de 2005. Mas de nada adiantarão esses esforços se não houver um movimento internacional coordenado.
Embora sejamos hoje o sétimo maior poluidor do planeta, somos responsáveis por pouco mais de 4% das emissões de gases que causam o efeito estufa. Sem que as iniciativas de redução sejam também adotadas em âmbito planetário, e principalmente pelas economias desenvolvidas, dificilmente a meta será atingida. E não podemos perder de vista que a contenção do aquecimento global, apesar de necessária, não é suficiente.
Apesar de deter 20% da água potável de todo o mundo, o Brasil hoje tem sede, e não há mais como adiar uma reformulação completa da gestão de nossos recursos hídricos. O desmatamento na Amazônia, que vinha retrocedendo, cresceu quase 30% em 2016. E, mesmo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, despejamos ainda 30 milhões de toneladas de lixo por ano de forma inadequada em quase 3 mil lixões e aterros irregulares, com impacto negativo na qualidade de vida de 77 milhões de brasileiros.
Sr. Presidente, Senhoras e Senhores, repito que, para alguns eventos, não é preciso aguardar o julgamento da História. Vejam o que se passa com o Distrito Federal, que enfrenta um racionamento de água há mais de quatro meses; vejam o que se passa com o rio São Francisco que, assoreado, vai setransformando em um enorme areal; vejam o que se passou com o Rio Doce, convertido em um curso estéril de lama; vejam o que se passa no Nordeste, que viveu a pior seca dos últimos cem anos. É já passada a hora de agir!
Por isso, gostaria de me valer aqui desta Sessão de Debatespara lançar um apelo: que o “espírito do Rio” volte a animar esta Casa. Que este Senado Federal tome a dianteira na causa ambiental. O passo inicial já foi dado com a iniciativa do Senador Jorge Viana, presidente da Comissão Mista de Mudanças Climáticas – juntamente com outros senadores –, de propor este primeiro grande debate pelo transcurso dos 25 anos da Rio 92.
Nesse sentido, Sr. Presidente, Senhoras e Senhoresproponho a criaçãono âmbito do Senado Federal, de uma Instituição Ambiental Independente, com o objetivo de acompanhar e articular com foros e Assembleias legislativos de nações mais reticentes ao cumprimento das metas do Acordo de Paris, oriundo da COP 21. Com um conselho executivo enxuto, pragmático e apartidário, a Instituição seria estruturada com autonomia de atuação, poder de mobilização e capacidade de mobilidade para exercer atribuições específicas de assessoramento e convencimento de atores influentes e decisivos no conjunto dos países.
Sua composição contaria com representantes do mundo científico, da sociedade civil e do Senado Federal, todos dereconhecida autoridade na causa ambiental. Trata-se, assim, de modelo de organização similar ao grupo executivo que criei durante os preparativos da Rio 92 que, sob o comando e a competência do Prof. José Goldemberg, Secretário de Meio Ambiente do meu governo – a quem aqui agradeço – promoveu um autêntico périplo pelo mundo com o papel de mensurar a adesão aos propósitos da Conferência; de persuadir com argumentos as personalidades e nações resistentes; e, ainda, de aparar arestas no plano técnico e político. 
Sem dúvida, Sr. Presidente, a criação dessa Instituição seria uma salutar contribuição do Poder Legislativo para o rearranjo das relações exteriores perante as ameaças ambientais que advirão com a decisão dos Estados Unidos de sair do Tratado de Paris.
E penso que poderíamos marcar também o nosso compromisso com a responsabilidade ambiental pela ratificação antes da reunião da COP 23, na Alemanha – da Emenda de Doha, tão logo nos seja encaminhada pela Câmara dos Deputados. Cumpre-nos, pois, instar aquela Casa para acelerar a tramitação do PD433, de 2016.
Sr. Presidente, Senhoras e Senhores, o Planeta é um só... indivisível. Como relembrou o presidente Macron, não existePlano B, porque não há Planeta B. Portanto, não há saída! Cada atitude do passado – e do presente – pertence à morte do astro. O resto será silêncio!
Não existem fronteiras para o meio ambiente. A preservação ambiental não admite barreiras nem muros que possam salvar um país em detrimento de outro. Não há como isolar a poluição, circunscrever os seus danos ou criar campânulas particulares. Ao contrário, temos apenas uma redoma que encobre todo o planeta: a redoma da camada de ozônio que, progressivamente, está sendo destruída pela cegueira, pela irresponsabilidade e pela estupidez humana. 
O aquecimento global é fenômeno incontestável, a despeito do ceticismo de uma minoria. A extinção de espécies marinhas e animais é real. Os ecossistemas estão se desintegrando. Os mananciais se contaminam. O desmatamento avança. As calotas polares degelam, a ponto de já servirem como rotas comerciais, como o “Caminho do Ártico”. Países irão desaparecer com a elevação dos mares. Chegamos ao extremo de uma nação, como Kiribati, ter comprado 2.400 hectares de florestas em Vanua Levu, das Ilhas Fiji, como precaução para estoque de alimentos e talvez como futuro lar para parte de seus habitantes. O aquecimento global, portanto, é o tsunami planetário. A diferença é que ondas gigantes destroem, mas passam e permitem a reconstrução. O aquecimento global, não! É irreversível!
Sr. Presidente, Senhoras e Senhores, se não bastasse este cenário degradante, ainda padecemos com a irracionalidade de alguns líderes regionais. No primeiro dia do mês em que comemoramos a Semana do Meio Ambiente, as nações se abismaram com a decisão mais despropositada e excêntrica que um presidente da maior potência do mundo poderia tomar: contra tudo e contra todos, Donald Trump anunciou a retirada dos Estados Unidos, o segundo maior poluidor do planeta, do Acordo de Paris. Atitude totalmente diferente à importância dada ao tema pelo presidente George Bush, em 1992. Ao brincar com um poder deletério, Trump sentenciou a humanidade ao desaparecimento paulatino e condenou todo tipo de vida à morte. Por isso, é preciso dizer: assim como o Acordo de Paris não se restringe a Pittsburgh, o Mapa Mundi não se resume aos Estados Unidos da América.
O presidente Barack Obama havia se comprometido, em 2015, com uma redução das emissões entre 26% e 28% até 2025 em comparação com os níveis de 2005. Agora, com a decisão de Donald Trump – equivocadíssima, em termos científicos; e catastrófica, em termos ambientais –, a perspectiva é de que a redução, no caso dos norte-americanos, não supere os 14%,absolutamente insuficientes para evitar o aumento das temperaturas médias.
Resta-nos então – quem sabe? –, torcer para que a China, como maior poluidor entre as nações, assuma o papel e o protagonismo dessa luta. Afinal, antes, a filosofia chinesa dizia que enquanto o Ocidente tem como referência o relógio, a China tem como referência o tempo. Agora, ela não mais tem o tempo... o relógio está no pulso da própria China! Se ontem ela exaltava a paciência, a reflexão e o tempo disponível para suas decisões, hoje ela corre contra o tempo diante da iminência das catástrofes ambientais que se anunciam com o abandono americano do Tratado de Paris. Daí a relevância da atuação chinesa a partir de agora, seja por sua responsabilidade nas emanações que causa, seja pelo tamanho de sua economia, seu territóriosua população, mas também pela sua capacidade de se reinventar.
No mesmo sentido, o mundo anseia para que as empresas e os estados americanos, no uso da autonomia que detêm, mantenham a consciência ecológica não deixando de cumprir o Acordo de Paris – o que aliás já se pronuncia –, a despeito da decisão do governo central, que, vale lembrar, está sendo objeto da Reunião do G&, hoje, em Bologna, na Itália.
Por tudo isso, Sr. Presidente, Senhoras e Senhores, nãopodemos permitir que a traição do governo americano aoAcordo de Paris faça com que o “espírito do Rio” se esvaneça.Precisamos estancar a passividade, o conformismo e a contrafação. Precisamos semear o ponto de partida de uma novatransformação. Que revivamos, pois, os compromissos da Rio-92, porque para isso serve a lembrança de datas marcantes como esta: para perpetuar, em nós mesmos, a memória do que já fomos capazes, e reunir forças para que sigamos adiante, e alcancemos muito mais além. 
Que nos superemos, então.
Era o que eu tinha a dizer, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores. 
Muito obrigado.

Sala das Sessões, em 12 de junho de 2017.
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