terça-feira, 13 de junho de 2017

O gol anulado

"Meus caros, como todos sabem eu não sou Advogado. Acontece que aprendi a ler aos cinco anos de idade e nunca mais parei. Evidentemente para ser um causídico não basta saber ler (condição necessária mas não suficiente).

Então, como não queria ficar de fora do momentoso julgamento de TSE, fui acompanhar seu desenrolar lendo, pari passu, juristas e professores da matéria e construindo a minha opinião. Vi e ouvi também muitos leigos, muitos deles intelectuais respeitados, ao final do julgamento, dizendo bobagens do tipo: assim não dá pra combater a corrupção! Ora, o TSE não é o locus apropriado para combater corrupção, sua finalidade precípua é outra. Mas a estupidez campeã eu a ouvi do jornalista da Globo News Merval Pereira que pontificou, cheio de empáfia: ¨se o TSE cassa prefeitos, governadores, vereadores, porque não cassa um presidente? É uma jabuticaba que não serve para nada!¨ Tamanha barbaridade na boca de um ¨imortal¨da ABL, convenhamos, tem tudo para ser a bobagem campeã do torneio de asneiras. 

A primeira coisa que aprendi ao acompanhar os fatos foi que uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) tem prazo até a Diplomação dos eleitos para ser apresentada, e a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) até 15 dias após a Diplomação. Como o autor não pode prever o futuro, na ação  são citados os fatos sobre os quais se pede a investigação, que deverá se cingir aos prováveis delitos cometidos. Não são aceitas denuncias que surjam a posteriori. 

Lembrei agora de um jogo de futebol entre o Arranca Toco Esporte Clube e o Quebra Canela de Futebol e Regatas. Dizem que o presidente do Arranca Toco ¨comprou¨o juiz, pois precisava ganhar aquele jogo a fim de disputar com o Leão do Pici Esporte Clube quem iria subir da série ¨H¨para a série ¨G¨.

Mal começou o jogo e o referee logo percebeu que não iria precisar nem roubar para fazer jus à propina prometida. Isso porque o Arranca Toco tinha um jogador, o Diefeito, que era um crack: desarmava como o Clodoaldo, lançava como o Gerson, driblava como o Garrincha e fazia gols como o Pelé.

Um fenômeno. Quase ao final do primeiro tempo o time do Diefeito já ganhava de três a zero, três golaços do ídolo, quando o endiabrado atacante fez o quarto gol numa posição meio duvidosa. O mediador da partida viu ali a chance de se mostrar imparcial e honesto e, incontinenti, anulou o gol: Impedimento claro! , segundo berrou. Começou o segundo tempo e sobreveio a tragédia, entrou em campo o Sobrenatural de Almeida (como diria o Nelson Rodrigues) e o nosso herói machucou-se. Num lance bobo, sozinho, desequilibrou-se e caiu sobre o tapete verde. Ohhh! Naquela época não havia ainda a regra 3, e o Arranca Toco ficou com apenas dez em campo, e o pior, completamente desarvorado. Com isso o Quebra Canela se agigantou no gramado e começou a fazer gols: um, dois e três. Estava empatada a partida . Aos 44 do segundo tempo, jogo empatado em 3 a 3, o árbitro, já sentindo a propina sumir de suas  honradas mãos, chamou os capitães ao meio do campo e sentenciou: Vocês estão lembrados daquele gol que eu anulei no primeiro tempo? Pois tá valendo! e encerrou a peleja. Vitória de  4 a 3 para o Arranca Toco!

Pode isso, Arnaldo?

Mutatis mutandis, foi o que pretendeu o nobre Ministro Herman Benjamin,

trazendo para o TSE fatos ¨públicos e notórios¨, já além do tempo regulamentar, para querer mudar o resultado do jogo, pois os tais fatos, embora públicos e notórios, ainda estão sob investigação, não são fatos já provados, como  exige a legislação.

Torci, por fundadas razões, por esse resultado, mas, embora eu defenda meus argumentos com paixão, construo minhas convicções com a razão. 

O Professor (Direito Constitucional) Pedro Horta: ¨Absolvição correta, julgamento técnico, dentro da legislação eleitoral.¨ Professor Pedro Estevam Serrano (Direito Constitucional): ¨ No mérito, a decisão foi correta; cassar a chapa seria, antes de tudo, Inconstitucional¨. Já o Professor (Direito Eleitoral)

Sávio Chalita lamenta que : ¨Percebe-se um apego formal demasiado quanto a questões processuais. Infelizmente é um desfecho triste para a sociedade¨.

Talvez o mestre acredite que não há necessidade de se apegar a questões processuais formais, melhor o julgador agradar o clamor da sociedade, vox populi vox Dei (soltem Barrabás, crucifiquem Jesus). Talvez, se consultasse o jurista americano Oliver Wendell Holmes, aprenderia que o Juiz não existe para fazer Justiça, mas para aplicar a Lei; ou ainda a máxima do Direito usada na Itália, use o Texto, não a testa!

O Globo, em editorial, foi mais ambíguo, deu uma no cravo outra na ferradura.

Começa dizendo que ¨era uma chance de o TSE  equiparar-se a outras instâncias do Judiciário identificadas na luta contra a corrupção (não sabem para que existe o TSE), e, depois afirma que¨não se pode acusar de ilegítima a decisão da Corte. Há argumentos técnicos que embasam o 4a3¨.

Termino com uma sugestão às autoridades do Legislativo. Incluam no preâmbulo da Constituição o dístico presente nas poules do Jogo do Bicho: 

VALE O QUE ESTÁ ESCRITO."


Texto de Humberto Ellery

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