Sr. Presidente,
Sras. e Srs. Senadores,
Às vésperas de iniciarmos o recesso dos
nossos trabalhos, sinto-me no dever inarredável de voltar a esta tribuna para
tratar de questões extramente importantes, julgo eu, para as nossas
instituições. A despeito dos acontecimentos ocorridos esta semana, de buscas e
apreensões envolvendo o meu nome e o de integrantes deste Congresso Nacional,
sinto-me na obrigação de sair da seara pessoal, para abordar problemas maiores,
preocupações mais elevadas, que atingem direta e perigosamente a seara
institucional.
Refiro-me a um quadro que não mais se
avizinha, Sr. Presidente, pois que já está instalado e que abrange não somente
a classe política em si, mas também o Senado Federal, o Congresso Nacional, o
Poder Executivo, dois dos principais poderes e instituições da República
brasileira.
Ainda que muitos não consigam enxergar;
ainda que muitos não queiram enxergar; e ainda que muitos não queiram se
envolver, não é possível deixar de alertar que todas as autoridades
constituídas, todos os políticos, todos os agentes e servidores públicos e,
principalmente, todos os cidadãos deste país vivem hoje sob o comando, a
vontade e a ditadura da República do Ministério Público Federal.
Não é de hoje que alerto para isso.
Mas, também, não é de hoje que sinto a uma cegueira generalizada em relação ao
tortuoso e temerário caminho pelo qual fomos induzidos a seguir em virtude do poder
exacerbado concedido a um único órgão público.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores,
o fato é que a atuação do Ministério Público Federal está deformando o Estado
de Direito e desvirtuando os fundamentos e os princípios da democracia
brasileira, e até mesmo dos direitos humanos. Só não enxerga quem não quer ou,
pior, só não enxerga quem se sente intimidado.
Falo, principalmente, do modus operandi adotado pelo
Procurador-Geral da República, que se especializou em transformar em prévia
condenação toda e qualquer investigação que esteja realizando. Trata-se de toda
uma sistemática maliciosamente planejada, em que, a partir de uma informação ou
delação qualquer, verdadeira ou falsa, inicia-se um processo de atos, de medidas
e de parcerias para se chegar à condenação pública. Primeiro, divulga-se, nunca
oficialmente, o indício, no formato e conteúdo que convêm ao Ministério Público
Federal. Inicia-se uma investigação, supostamente sigilosa, para coleta de
novas informações. Vaza-se para a imprensa parte dessas informações, fora de
contexto, para que sejam divulgadas como bem entendem, sem qualquer apuração
efetiva. Utiliza-se do ambiente criado pela mídia, para justificar a obtenção
de novas informações e para induzir depoimentos. Abusa-se das prisões
preventivas e temporárias. Negociam-se delações premiadas, inclusive com
práticas da inquisição, forçando delatores de ocasião a falarem o que a
Procuradoria-Geral quer e o que lhe interessa que seja dito pelo delator que se
apresenta. Pressiona-se, por meio do exemplo das prisões, das delações, por
mais depoimentos, por mais detalhes, ainda que falsos ou não comprovados.
Depois, de todo o cenário armado, promovem-se, midiaticamente, buscas e
apreensões para tentar convencer e consolidar um entendimento errôneo por parte
da opinião pública e para, aí sim, com seu apoio, realizar os espetáculos mais
abusivos e desnecessários.
E quando digo espetáculo, insere-se aí
uma afronta, uma desobediência ainda pior. Apenas para exemplificar, reproduzo
trecho do despacho de autorização de uma dessas buscas, feito pelo Ministro
Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal: “...agentes e autoridades (...)
deverão cumprir as diligências ora autorizadas simultaneamente com a máxima
discrição e, se necessário com o auxílio de autoridades policiais de
diversos estados, de peritos e de outros agentes públicos, como membros do
Ministério Público e da Receita Federal.” Pergunto eu: nessas últimas operações,
o que se viu foi discrição? Houve máxima discrição? Afinal, os
comandados e agentes do Sr. Janot cumpriram ou não a determinação do Supremo
Tribunal Federal? A resposta, Sr. Presidente, diante do que todos viram, chega
a ser dispensável.
Até
mesmo um conhecido jornalista, que se chama Ronaldo Azevedo, articulista de uma conhecida revista – diga-se que
ambos são declaradamente avessos à minha pessoa, e a recíproca é absolutamente
verdadeira -, diz em certo trecho: “O que
me incomoda é a ação espetaculosa. (...) na democracia – que é o contrário da
República de Platão na maioria dos aspectos –, é preciso tomar mais cuidado,
muito especialmente com quem detém a representação popular.” E continua o
jornalista: “...na sua reação, ele
(no caso refere-se a mim) aponta uma
questão absolutamente correta: ele não foi nem mesmo ouvido.” Em outro
trecho, segue o articulista: “Na
democracia, o estado é um exemplo, mas não atua para exibir cabeças como
exemplo.” Termina ele: “As ações da
PF e do Ministério Público têm despertado a preocupação em muita gente
responsável. Rodrigo Janot está em campanha eleitoral para ser reconduzido à
PGR. Collor e seus carrões de luxo [obrigado pelos “carrões”, que não são
mais carroças] servem como uma luva ao
descaminho do estado de direito. Conclui ele: (...)
Não confiro a nenhum ente o poder de agir acima da lei e da razoabilidade.”.
É como conclui o seu artigo o jornalista.
Portanto,
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, todo esse quadro vem acontecendo – e
isso tem que ser enfatizado – sem nenhuma denúncia formalizada, sem nenhuma
vista dos autos por parte do principal interessado ou vítima dessa trama, sem nenhum
depoimento prestado pelo investigado. Aliás, volto a frisar, Sr. Presidente,
que por duas vezes solicitei o depoimento; por duas vezes marcaram o meu
depoimento, e desmarcaram ambos os depoimentos às vésperas da data
anteriormente marcada. Ora, se naquelas oportunidades tivessem respeitado o meu
direito de falar, de ter vista dos autos, tudo isso poderia ter sido
esclarecido sem a necessidade do espetáculo que se verificou. Mas não! Fizeram
questão de que o espetáculo prevalecesse. E todos nós sabemos que onde
prevalece o espetáculo, sucumbem-se o direito e as garantias do cidadão
brasileiro.
Assim,
Sr. Presidente, de vazamento em vazamento, de indução em indução, de coerção em
coerção, de busca em busca, de espetáculo em espetáculo, forma-se todo um
ambiente aparentemente democrático, um cenário com ares de justiça. Forma-se
também, Sr. Presidente, toda uma história, todo um conto contado pelas palavras
e ações planejadas única e exclusivamente pelo Ministério Público Federal e,
pior, executadas em parceria com os meios de comunicação, usados, nesses casos,
como meros instrumentos de formação – ou melhor, de forjamento – de uma versão
junto à sociedade, porém, da maneira e do feitio como eles mesmos desejam.
De
outra parte, o que ninguém está conseguindo enxergar é que, por traz de todo
esse processo, por trás de tudo isso, existe, Sr. Presidente, um projeto de
hegemonia que o Ministério Público Federal procura alcançar, nem que para isso passe
por cima dos institutos democráticos, do direito, e da própria Constituição
Federal. A verdade é que se alguém tentar, de fato, buscar coerência e lucidez
nas ações do Ministério Público não as vai encontrar, pois essas ações são motivadas pelo
desejo do órgão de se sobressair, de se sobrepor às instituições, de subjugar
as instituições.
Contudo,
Sr. Presidente, numa autêntica democracia, os fins, por mais nobres que sejam,
não podem justificar os meios. Numa República de fato, investigação sigilosa
deve ser sigilosa para todos e para tudo, e não somente para os próprios investigados.
No verdadeiro Estado de Direito, o direito à ampla defesa, ao contraditório, ou
ao menos ao benefício da dúvida, devem prevalecer antes de qualquer princípio.
Mas
não é isso, Sr. Presidente, o que está acontecendo. Até mesmo o ministro do
Supremo Tribunal Federal Teori Zavascky, relator do procedimento investigatório
em curso, chamou a atenção, há duas semanas atrás, ou um pouco mais, por estar
convencido de que os vazamentos foram feitos pelo Ministério Público Federal,
mais especificamente pelo procurador-geral Rodrigo Janot. E aí, cabe então
perguntar: afinal, quem vai fiscalizar os atos ilegais do Sr. Janot? Quem vai
frear o modus operandi do Ministério
Público Federal? Vamos ficar todos à mercê das vontades e objetivos dele?
Ficarão todos temerosos de seus atos, de suas investigações, de seus
vazamentos, de suas buscas e apreensões? Por que, Sr. Presidente, ficamos todos
nos justificando com base tão somente nas notícias, nos fatos vazados
seletivamente? Por que não nos dão acesso aos autos? Como podemos nos defender
previamente se nem ao menos conhecemos o teor e os fundamentos das acusações,
dos fatos e das alegações que eventualmente estejam justificando essas investigações? Quem, afinal, Sr. Presidente, quem afinal,
Srªs e Srs. Senadores, vai parar o Sr. Janot, vai parar o Ministério
Público Federal, nesta sua sanha?
Nesta
semana, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, como já disse nesta tribuna,
fui humilhado. A Polícia Legislativa foi humilhada. Senadores foram humilhados.
O Senado da República foi humilhado. O Poder Legislativo foi humilhado. Não
percamos isto de vista. Por tudo isso, aliado às suas funções constitucionais, é
que cabe a ele, ao Poder Legislativo, questionar, reagir, enfrentar e frear,
institucionalmente, a República do Ministério Público, essa pretensa e hipotética
– hipotética – “politeia” tropical.
Aqui,
Sr. Presidente, faço um parênteses para prestar a solidariedade que a Polícia
Legislativa do Senado merece. Apesar de estar no seu estrito cumprimento legal,
ela não foi respeitada pelo grupo do Sr. Janot. Na invasão e arrombamento do
apartamento funcional de meu uso, os agentes e o procurador encarregados da
operação isolaram o acesso de qualquer pessoa ao prédio residencial, inclusive
dos policiais legislativos, além de os terem ameaçados com voz de prisão. Pior
ainda, aqueles agentes e o procurador, além de não informarem sua ida com um
mínimo de antecedência – mínimo, que eu digo são cinco minutos ou dez minutos –,
simplesmente se recusaram a apresentar o mandado de busca e apreensão,
constituindo uma total ingerência na jurisdição e competência da Polícia
Legislativa. Por que, afinal, agiram dessa forma? São eles autoridades máximas,
na pura acepção das palavras? Podem tudo e se sentem no direito de tudo, como
subjugar em função de um mandado de busca e apreensão? Pior ainda é que se
utilizaram da infundada e absurda alegação de que os prédios funcionais do
Senado não estão sob a jurisdição da Polícia Legislativa. Como não, Srªs e Srs.
Senadores? Todo imóvel de propriedade ou uso do Senado Federal faz parte da
jurisdição do Senado Federal.
Sr.
Presidente, Sras. e Srs. Senadores, por todos esses motivos é que defendo a criação
Srªs e Srs. Senadores, no âmbito do Congresso Nacional, de uma agenda
suprapartidária, isenta política e ideologicamente, para atuar de forma a
garantir que o Ministério Público retome suas atribuições e competências
originais, com plena autonomia e liberdade, sim, mas estritamente dentro de
suas prerrogativas, dentro dos limites constitucionais e dos princípios fundamentais
do Direito.
Ainda
que inalcançável aos olhos de todos, a democracia brasileira e o Estado de
Direito correm perigo. O Brasil corre o risco de se transformar na República de
um só poder, numa Autocracia. Não se pode permitir a submissão das instituições
democráticas ao aparato policialesco do Ministério Público. Não se pode aceitar
a cultura do apedrejamento, aquela em que se causa um dano à pessoa e, depois, ela
que procure reparar o dano. Isso é degradante. Isso é atitude de covardes, de
facínoras que se dizem democratas, que se aproveitam da democracia, mas que, na
prática, aplicam a autocracia e dela se aproveitam.
Os
fatos desta semana, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, da forma como foram
promovidos, executados e divulgados, jamais ocorreram, nem nos tempos da
ditadura. Trata-se de uma arbitrariedade sem precedentes. Sinto-me particularmente
ultrajado. Não sei do que estão querendo me acusar. Repito, não me permitem
vista aos autos das investigações. Não tenho sequer o direito de prestar
depoimento e de dar explicações. Não há sequer denúncia feita, Sr. Presidente. E,
mesmo assim, tentam usurpar o meu direito à presunção de inocência, uma
cláusula pétrea da Constituição subjugada pelo Ministério Público Federal.
Tentam construir e mostrar à população, com a faminta cumplicidade dos meios,
uma história que não corresponde à verdade. Tentam me condenar previamente, em
todas as instâncias, em todas as consciências. Sequer me denunciaram, mas já
querem me apenar da pior forma possível. Isso é o mesmo do que conviver com o
calvário, Sr. Presidente!
E
não se iludam, pois ninguém está livre disso. Daqui mesmo desta Casa, novas
vítimas podem sair. Novas histórias poderão ser maldosamente construídas.
Estamos num terreno de um verdadeiro “vale-tudo”. O próprio cidadão, indefeso, sem
imunidades, sem prerrogativas de foro, está ainda mais vulnerável ao estado
repressor do Ministério Público Federal. Esta visão todos precisam ter, todos
precisam estar cientes. São dois universos: de um lado, a sociedade, os
cidadãos, sejam agentes públicos ou não; de outro, o Ministério Público,
querendo oferecer à alcateia ululante como objeto de sua saciedade.
Mais
uma vez repito: a alcateia aqui é referente aos asseclas do grupelho do Sr.
Janot. Mais uma vez, repito: jamais serei intimidado. E gostaria que assim
todos agissem, sob pena de um dia acontecer. Aqui finalizo, Sr. Presidente,
Srªs e Srs. Senadores, como disse Martin Niemöller, na pequena e conhecida
fábula da omissão: “Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não
sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro
vizinho que era comunista. Como não sou comunista, também não me incomodei. No
terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, também não me
incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para
reclamar...”
Termino
aqui a minha comunicação inadiável, Sr. Presidente, agradecendo a generosidade
de V. Exª de me ter concedido este tempo para prestar estes esclarecimentos e
fazer, respeitosamente, um alerta ao Poder Legislativo, ao Senado Federal e à
Câmara dos Deputados.
Muito obrigado a V. Exª, Sr. Presidente Renan Calheiros.
Senador Fernando Collor de Mello
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