segunda-feira, 20 de julho de 2015

Collor fala do perigo do modus operandi do Procurador-Geral da República para as instituições democráticas


Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores,

         Às vésperas de iniciarmos o recesso dos nossos trabalhos, sinto-me no dever inarredável de voltar a esta tribuna para tratar de questões extramente importantes, julgo eu, para as nossas instituições. A despeito dos acontecimentos ocorridos esta semana, de buscas e apreensões envolvendo o meu nome e o de integrantes deste Congresso Nacional, sinto-me na obrigação de sair da seara pessoal, para abordar problemas maiores, preocupações mais elevadas, que atingem direta e perigosamente a seara institucional.
         Refiro-me a um quadro que não mais se avizinha, Sr. Presidente, pois que já está instalado e que abrange não somente a classe política em si, mas também o Senado Federal, o Congresso Nacional, o Poder Executivo, dois dos principais poderes e instituições da República brasileira.
         Ainda que muitos não consigam enxergar; ainda que muitos não queiram enxergar; e ainda que muitos não queiram se envolver, não é possível deixar de alertar que todas as autoridades constituídas, todos os políticos, todos os agentes e servidores públicos e, principalmente, todos os cidadãos deste país vivem hoje sob o comando, a vontade e a ditadura da República do Ministério Público Federal.
         Não é de hoje que alerto para isso. Mas, também, não é de hoje que sinto a uma cegueira generalizada em relação ao tortuoso e temerário caminho pelo qual fomos induzidos a seguir em virtude do poder exacerbado concedido a um único órgão público.
         Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, o fato é que a atuação do Ministério Público Federal está deformando o Estado de Direito e desvirtuando os fundamentos e os princípios da democracia brasileira, e até mesmo dos direitos humanos. Só não enxerga quem não quer ou, pior, só não enxerga quem se sente intimidado.
         Falo, principalmente, do modus operandi adotado pelo Procurador-Geral da República, que se especializou em transformar em prévia condenação toda e qualquer investigação que esteja realizando. Trata-se de toda uma sistemática maliciosamente planejada, em que, a partir de uma informação ou delação qualquer, verdadeira ou falsa, inicia-se um processo de atos, de medidas e de parcerias para se chegar à condenação pública. Primeiro, divulga-se, nunca oficialmente, o indício, no formato e conteúdo que convêm ao Ministério Público Federal. Inicia-se uma investigação, supostamente sigilosa, para coleta de novas informações. Vaza-se para a imprensa parte dessas informações, fora de contexto, para que sejam divulgadas como bem entendem, sem qualquer apuração efetiva. Utiliza-se do ambiente criado pela mídia, para justificar a obtenção de novas informações e para induzir depoimentos. Abusa-se das prisões preventivas e temporárias. Negociam-se delações premiadas, inclusive com práticas da inquisição, forçando delatores de ocasião a falarem o que a Procuradoria-Geral quer e o que lhe interessa que seja dito pelo delator que se apresenta. Pressiona-se, por meio do exemplo das prisões, das delações, por mais depoimentos, por mais detalhes, ainda que falsos ou não comprovados. Depois, de todo o cenário armado, promovem-se, midiaticamente, buscas e apreensões para tentar convencer e consolidar um entendimento errôneo por parte da opinião pública e para, aí sim, com seu apoio, realizar os espetáculos mais abusivos e desnecessários.
         E quando digo espetáculo, insere-se aí uma afronta, uma desobediência ainda pior. Apenas para exemplificar, reproduzo trecho do despacho de autorização de uma dessas buscas, feito pelo Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal: “...agentes e autoridades (...) deverão cumprir as diligências ora autorizadas simultaneamente com a máxima discrição e, se necessário com o auxílio de autoridades policiais de diversos estados, de peritos e de outros agentes públicos, como membros do Ministério Público e da Receita Federal.” Pergunto eu: nessas últimas operações, o que se viu foi discrição? Houve máxima discrição? Afinal, os comandados e agentes do Sr. Janot cumpriram ou não a determinação do Supremo Tribunal Federal? A resposta, Sr. Presidente, diante do que todos viram, chega a ser dispensável.
Até mesmo um conhecido jornalista, que se chama Ronaldo Azevedo, articulista de uma conhecida revista – diga-se que ambos são declaradamente avessos à minha pessoa, e a recíproca é absolutamente verdadeira -, diz em certo trecho: “O que me incomoda é a ação espetaculosa. (...) na democracia – que é o contrário da República de Platão na maioria dos aspectos –, é preciso tomar mais cuidado, muito especialmente com quem detém a representação popular.” E continua o jornalista: “...na sua reação, ele (no caso refere-se a mim) aponta uma questão absolutamente correta: ele não foi nem mesmo ouvido.” Em outro trecho, segue o articulista: “Na democracia, o estado é um exemplo, mas não atua para exibir cabeças como exemplo.” Termina ele: “As ações da PF e do Ministério Público têm despertado a preocupação em muita gente responsável. Rodrigo Janot está em campanha eleitoral para ser reconduzido à PGR. Collor e seus carrões de luxo [obrigado pelos “carrões”, que não são mais carroças] servem como uma luva ao descaminho do estado de direito. Conclui ele: (...) Não confiro a nenhum ente o poder de agir acima da lei e da razoabilidade.”. É como conclui o seu artigo o jornalista.
Portanto, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, todo esse quadro vem acontecendo – e isso tem que ser enfatizado – sem nenhuma denúncia formalizada, sem nenhuma vista dos autos por parte do principal interessado ou vítima dessa trama, sem nenhum depoimento prestado pelo investigado. Aliás, volto a frisar, Sr. Presidente, que por duas vezes solicitei o depoimento; por duas vezes marcaram o meu depoimento, e desmarcaram ambos os depoimentos às vésperas da data anteriormente marcada. Ora, se naquelas oportunidades tivessem respeitado o meu direito de falar, de ter vista dos autos, tudo isso poderia ter sido esclarecido sem a necessidade do espetáculo que se verificou. Mas não! Fizeram questão de que o espetáculo prevalecesse. E todos nós sabemos que onde prevalece o espetáculo, sucumbem-se o direito e as garantias do cidadão brasileiro.
Assim, Sr. Presidente, de vazamento em vazamento, de indução em indução, de coerção em coerção, de busca em busca, de espetáculo em espetáculo, forma-se todo um ambiente aparentemente democrático, um cenário com ares de justiça. Forma-se também, Sr. Presidente, toda uma história, todo um conto contado pelas palavras e ações planejadas única e exclusivamente pelo Ministério Público Federal e, pior, executadas em parceria com os meios de comunicação, usados, nesses casos, como meros instrumentos de formação – ou melhor, de forjamento – de uma versão junto à sociedade, porém, da maneira e do feitio como eles mesmos desejam.
De outra parte, o que ninguém está conseguindo enxergar é que, por traz de todo esse processo, por trás de tudo isso, existe, Sr. Presidente, um projeto de hegemonia que o Ministério Público Federal procura alcançar, nem que para isso passe por cima dos institutos democráticos, do direito, e da própria Constituição Federal. A verdade é que se alguém tentar, de fato, buscar coerência e lucidez nas ações do Ministério Público não as vai encontrar, pois essas ações são motivadas pelo desejo do órgão de se sobressair, de se sobrepor às instituições, de subjugar as instituições.
Contudo, Sr. Presidente, numa autêntica democracia, os fins, por mais nobres que sejam, não podem justificar os meios. Numa República de fato, investigação sigilosa deve ser sigilosa para todos e para tudo, e não somente para os próprios investigados. No verdadeiro Estado de Direito, o direito à ampla defesa, ao contraditório, ou ao menos ao benefício da dúvida, devem prevalecer antes de qualquer princípio.
Mas não é isso, Sr. Presidente, o que está acontecendo. Até mesmo o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascky, relator do procedimento investigatório em curso, chamou a atenção, há duas semanas atrás, ou um pouco mais, por estar convencido de que os vazamentos foram feitos pelo Ministério Público Federal, mais especificamente pelo procurador-geral Rodrigo Janot. E aí, cabe então perguntar: afinal, quem vai fiscalizar os atos ilegais do Sr. Janot? Quem vai frear o modus operandi do Ministério Público Federal? Vamos ficar todos à mercê das vontades e objetivos dele? Ficarão todos temerosos de seus atos, de suas investigações, de seus vazamentos, de suas buscas e apreensões? Por que, Sr. Presidente, ficamos todos nos justificando com base tão somente nas notícias, nos fatos vazados seletivamente? Por que não nos dão acesso aos autos? Como podemos nos defender previamente se nem ao menos conhecemos o teor e os fundamentos das acusações, dos fatos e das alegações que eventualmente estejam justificando essas investigações?  Quem, afinal, Sr. Presidente, quem afinal, Srªs e Srs. Senadores, vai parar o Sr. Janot, vai parar o Ministério Público Federal, nesta sua sanha?
Nesta semana, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, como já disse nesta tribuna, fui humilhado. A Polícia Legislativa foi humilhada. Senadores foram humilhados. O Senado da República foi humilhado. O Poder Legislativo foi humilhado. Não percamos isto de vista. Por tudo isso, aliado às suas funções constitucionais, é que cabe a ele, ao Poder Legislativo, questionar, reagir, enfrentar e frear, institucionalmente, a República do Ministério Público, essa pretensa e hipotética – hipotética – “politeia” tropical.
Aqui, Sr. Presidente, faço um parênteses para prestar a solidariedade que a Polícia Legislativa do Senado merece. Apesar de estar no seu estrito cumprimento legal, ela não foi respeitada pelo grupo do Sr. Janot. Na invasão e arrombamento do apartamento funcional de meu uso, os agentes e o procurador encarregados da operação isolaram o acesso de qualquer pessoa ao prédio residencial, inclusive dos policiais legislativos, além de os terem ameaçados com voz de prisão. Pior ainda, aqueles agentes e o procurador, além de não informarem sua ida com um mínimo de antecedência – mínimo, que eu digo são cinco minutos ou dez minutos –, simplesmente se recusaram a apresentar o mandado de busca e apreensão, constituindo uma total ingerência na jurisdição e competência da Polícia Legislativa. Por que, afinal, agiram dessa forma? São eles autoridades máximas, na pura acepção das palavras? Podem tudo e se sentem no direito de tudo, como subjugar em função de um mandado de busca e apreensão? Pior ainda é que se utilizaram da infundada e absurda alegação de que os prédios funcionais do Senado não estão sob a jurisdição da Polícia Legislativa. Como não, Srªs e Srs. Senadores? Todo imóvel de propriedade ou uso do Senado Federal faz parte da jurisdição do Senado Federal.
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, por todos esses motivos é que defendo a criação Srªs e Srs. Senadores, no âmbito do Congresso Nacional, de uma agenda suprapartidária, isenta política e ideologicamente, para atuar de forma a garantir que o Ministério Público retome suas atribuições e competências originais, com plena autonomia e liberdade, sim, mas estritamente dentro de suas prerrogativas, dentro dos limites constitucionais e dos princípios fundamentais do Direito.
Ainda que inalcançável aos olhos de todos, a democracia brasileira e o Estado de Direito correm perigo. O Brasil corre o risco de se transformar na República de um só poder, numa Autocracia. Não se pode permitir a submissão das instituições democráticas ao aparato policialesco do Ministério Público. Não se pode aceitar a cultura do apedrejamento, aquela em que se causa um dano à pessoa e, depois, ela que procure reparar o dano. Isso é degradante. Isso é atitude de covardes, de facínoras que se dizem democratas, que se aproveitam da democracia, mas que, na prática, aplicam a autocracia e dela se aproveitam.
Os fatos desta semana, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, da forma como foram promovidos, executados e divulgados, jamais ocorreram, nem nos tempos da ditadura. Trata-se de uma arbitrariedade sem precedentes. Sinto-me particularmente ultrajado. Não sei do que estão querendo me acusar. Repito, não me permitem vista aos autos das investigações. Não tenho sequer o direito de prestar depoimento e de dar explicações. Não há sequer denúncia feita, Sr. Presidente. E, mesmo assim, tentam usurpar o meu direito à presunção de inocência, uma cláusula pétrea da Constituição subjugada pelo Ministério Público Federal. Tentam construir e mostrar à população, com a faminta cumplicidade dos meios, uma história que não corresponde à verdade. Tentam me condenar previamente, em todas as instâncias, em todas as consciências. Sequer me denunciaram, mas já querem me apenar da pior forma possível. Isso é o mesmo do que conviver com o calvário, Sr. Presidente!
E não se iludam, pois ninguém está livre disso. Daqui mesmo desta Casa, novas vítimas podem sair. Novas histórias poderão ser maldosamente construídas. Estamos num terreno de um verdadeiro “vale-tudo”. O próprio cidadão, indefeso, sem imunidades, sem prerrogativas de foro, está ainda mais vulnerável ao estado repressor do Ministério Público Federal. Esta visão todos precisam ter, todos precisam estar cientes. São dois universos: de um lado, a sociedade, os cidadãos, sejam agentes públicos ou não; de outro, o Ministério Público, querendo oferecer à alcateia ululante como objeto de sua saciedade.
Mais uma vez repito: a alcateia aqui é referente aos asseclas do grupelho do Sr. Janot. Mais uma vez, repito: jamais serei intimidado. E gostaria que assim todos agissem, sob pena de um dia acontecer. Aqui finalizo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como disse Martin Niemöller, na pequena e conhecida fábula da omissão: “Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, também não me incomodei. No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, também não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar...”
Termino aqui a minha comunicação inadiável, Sr. Presidente, agradecendo a generosidade de V. Exª de me ter concedido este tempo para prestar estes esclarecimentos e fazer, respeitosamente, um alerta ao Poder Legislativo, ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados.

Muito obrigado a V. Exª, Sr. Presidente Renan Calheiros.

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