domingo, 28 de agosto de 2011

Golpe contra Collor

Prezados leitores e leitoras, publico a partir de hoje, na íntegra, os bastidores do golpe perpetrado contra o então presidente Fernando Collor de Mello. Trata-se excelente e esclarecedor relato-artigo do jornalista Rony Curvelo. Ele viveu de perto momentos difíceis de Collor. Creio ser válido divulgarmos mais ainda. Sempre mais, desmascarando aquela farsa.

Vicente Limongi Netto

A Farsa de um Julgamento

Por Rony Curvelo


Outro dia, organizando meus papéis, encontrei, entre outros documentos, este artigo, escrito por mim há alguns anos. Uma análise que merece fazer parte da história do Brasil, dado a importância das informações e a exclusividade no acesso aos detalhes que tive o privilégio de ter. Portanto, não poderiam permanecer guardados sem o conhecimento do público.

Com exclusividade relatarei aqui nas próximas semanas, as análises técnicas e curiosas sobre os acontecimentos a cerca da queda do 32º Presidente do Brasil, Fernando Collor de Mello e a tentativa de recuperar seus direitos políticos que foram cassados por oito anos.

Vale lembrar que hoje em dia o ex-presidente é senador por Alagoas e goza não só de poder e privilégios, mas de todos os seus direitos. Não foi sempre assim e, quando não foi, eu estava lá.

Nota do Autor

O ex-ministro da Justiça Paulo Brossard uma vez disse: “Os magistrados foram postos em seus lugares exatamente para assegurar o regular cumprimento da lei, tanto mais estrito quanto mais extraordinárias forem as situações, mais aceso o clamor popular ou mais consideráveis os interesses conjugados contra ele”.

Mostro, em detalhes, o que tem sido feito com as nossas leis e de que maneira têm sido manipuladas para atender aos interesses de alguns poucos.

Pelos fatos aqui relatados, os leitores terão uma idéia do que foi a luta em busca de um direito legítimo, de um cidadão que acredito queria o Brasil maior e melhor.

Não há dúvidas de que a história, no futuro, fará um balanço positivo. As perspectivas, as obras, as realizações, os marcos do seu destino são monumentos que durarão, por mais que se desvie, por mais que se faça ziguezague.

O presidente Fernando Collor marcou o caminho da modernidade do qual o Brasil não sairá jamais. Os erros desaparecerão na vastidão dos fatos e na imensidão das conquistas.

O presidente Lula deu continuidade aos projetos trabalhados pelo Presidente Fernando Henrique, que recebeu do Presidente Itamar, cujos projetos foram elaborados pelo Presidente Fernando Collor, incluindo a base e o caminho para a criação do REAL.

Quase todas as leis que ainda estão em vigor no Brasil, em todas as áreas, em especial a do setor econômico, fiscal e administrativo foram criadas por Collor. Mas este trabalho que você começará a ler a partir de hoje e nas próximas semanas, já que vou liberar um capítulo por semana, não trata das conquistas do governo Collor, mas sim da luta jurídica para corrigir um erro cometido pelos políticos, pela justiça com o apoio e pedido do povo brasileiro que enganado, atendeu ao pedido de muitos líderes que prometiam um choque de moralidade. Hoje sabemos que de moralidade não tinha nada. “Nunca na história deste país” houve tanto desvio, tanto roubo como nos últimos 12 anos, mas esta é outra história.


Capítulo I A Lei ressuscitada

Setembro de 1992

Reunidos para estabelecer o rito do processo que afastaria o então presidente Fernando Collor, os membros da Câmara acabaram fazendo uma montagem inconstitucional, uma vez que os deputados foram buscar um artigo na Constituição de 1946 que já não estava em vigor e o regulamentaram com uma lei do ano 1950, que também já nada valia, para poder julgá-lo.

O curioso é que em 1987 mais de duzentos deputados pediram a instalação de um processo de “ impeachment ” contra José Sarney, mas o Deputado Federal por Pernambuco, Inocêncio Oliveira, que ocupava a Presidência da Câmara dos Deputados, já que Paes de Andrade estava ausente, arquivou o processo, justificando que o artigo 85 não havia sido regulamentado.

O artigo 85 da Constituição Federal apenas define quais os atos do presidente da República que caracterizam como “crimes de responsabilidade” e quem, além do presidente, pode estar sujeito a este tipo de processo. Há apenas um parágrafo, no termo legal: “Parágrafo único”, que determina:

“esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas do processo e julgamento”.

O verbo no futuro (serão) deixa claro a impossibilidade de se aplicar uma lei do passado.

Esta lei especial não existia, como ainda não existe.

No caso do Collor, este ponto importante não foi considerado. O que fez Ibsen Pinheiro? O mesmo que seis meses depois do impeachment de Collor foi investigado, acusado e com os direitos cassados por estar envolvido com a Máfia do Orçamento.

Criou a fórmula e regulamentou o artigo. Foi buscar um artigo de uma constituição caduca, regulamentou com uma lei, também caduca e declarou que havia regras para julgar o “processamento da denúncia” do presidente da República.

Comentário do advogado Said Farhat:

“Até hoje o Congresso não aprovou a lei especial para definir os crimes de responsabilidade e estabelecer as normas de processo e julgamento dos acusados. O processo do presidente Fernando Collor correu segundo normas ” ad hoc “, baixadas pelo presidente da Câmara Ibsen Pinheiro, quanto à admissibilidade da acusação”.

Feito às pressas, remendado e preparado na calada da noite, o processo estava aprovado. Próximo passo era a votação.

Os Regimentos Internos da Câmara, que é tido como a bíblia parlamentar, dizia que, em caso de votação para afastamento do presidente da República, esta seria secreta. Ibsen Pinheiro decidiu então mudar, mais uma vez, a regra e determinou que a votação fosse aberta, indo desta vez contra as determinações do Regimento Interno, que, no seu artigo 188, manda observar a modalidade secreta, como forma de votação.

Para quem havia ressuscitado uma constituição morta, uma lei que nada valia, modificar o Regimento Interno foi fácil.
Como se não bastasse tanta arbitrariedade, o tempo dado para a defesa, foi de apenas 20 dias. Pela complexidade e seriedade do caso, seria necessário, no mínimo, três vezes este tempo, embora, repito o prazo legal é de 180 dias.

A título de exemplo, quando a união é ré em qualquer causa, da mais simples à mais complexa, ela tem 60 dias para responder.

Outra aberração é o fato de que a Constituição determina, em seus artigos 51 inciso I , 58, parágrafos primeiro e terceiro , e 86, parágrafo primeiro, inciso II , que, para afastar o presidente da República, deve ser criada uma CPI para investigar especificamente o presidente, o que não aconteceu.

A única CPI criada teve por objetivo investigar as práticas de um cidadão que, inclusive, não participava do governo.

O jurista Ives Gandra Martins, no seu livro “Comentários à Constituição do Brasil”, conclui:

“Discordei de que uma CPI para apurar irregularidades de um cidadão, não do governo, fosse transformada em CPI do Presidente, sem instalação de CPI específica.”

Quando o Senado recebeu a autorização para processar e julgar o Presidente da República, através do ofício 1.388/92, do Presidente da Câmara dos Deputados, no dia 30 de setembro de 1992, deu início a um outro momento curioso.

O texto do ofício é o seguinte:

“Brasília, 30 de setembro de 1992

Senhor Presidente,

Comunicamos a Vossa Excelência que a Câmara dos Deputados resolveu, em sessão realizada no dia 29 de setembro do corrente, autorizar o Senado Federal a instaurar processo contra o Excelentíssimo Senhor Presidente da República Fernando Affonso Collor de Mello, por crime de responsabilidade, admitindo a acusação nos termos da denúncia oferecida pelos cidadãos Barbosa Lima Sobrinho e Marcello Lavenere Machado, mediante o voto favorável de 441 (quatrocentos e quarenta e um) dos seus membros, registrando-se, ainda, 38 ( trinta e oito) votos contrários 1, (uma) abstenção e 23 ( vinte e três) ausências. Encaminhamos, assim, a Vossa Excelência, a denúncia recebida, acompanhada dos documentos a ela anexada e de relatório circunstanciado de sua tramitação nesta Casa, para fim do disposto no inciso I, do art.52 da Constituição Federal.

Ibsen Pinheiro, Presidente”

Ao invés de fazer a leitura de denúncia, para que o acusado se manifestasse, como manda o artigo 44 da lei 1.079/50 (a mesma que ressuscitaram para regulamentar o artigo), eles simplesmente leram o ofício de encaminhamento, em Sessão Ordinária. Sem nenhuma análise e sem ouvir o acusado, os Senadores, no dia 30 pela manhã, elegeram a Comissão Especial para “analisar” os documentos.

À tarde, a sessão foi suspensa para eleger o presidente, vice- presidente e relator da comissão e, na mesma tarde, aprovaram o parecer que o relator preparara, em menos de três horas.

O Relator afirmou:

“...a denúncia e o relatório circunstanciado, estão formalmente corretos e adequados às exigências legais...portanto, satisfeitos os requisitos da lei, a Comissão é de parecer que deve ser instaurado o processo por crime de responsabilidade ”.

Ora, como em tão pouco tempo, a comissão leu e analisou mais de 3.500 páginas de um processo conhecido por ser tão cheio de detalhes ? Tamanha foi a surpresa que o Senador e jurista Josaphat Marinho, enviou o seguinte ofício ao presidente do Senado, naquela mesma tarde:

“Atenderei ao pedido de V. Excia, Sr. Presidente, permanecendo aqui até sexta-feira. Quero porém esclarecer que NÃO subscrevi antes, nem subscreverei o pedido de urgência, para a apreciação do Parecer da Comissão Especial, ainda hoje. Não o fiz por entender que a gravidade da matéria impõe que seja apreciada com presteza, mas sem precipitação. A decisão da Câmara se operou ontem, o processo entrou nesta Casa hoje. É um processo volumoso. Sabe-se que só a defesa do Presidente da República, apresentada à Câmara, tem sessenta páginas. É até estranhável que a Comissão houvesse oferecido o Parecer hoje mesmo. Razão não há para que, nesta sessão, ainda em regime de urgência, opere-se a decisão da matéria. O Senado Federal começa a fazer o julgamento definitivo do Presidente da República, por meio desse processo. Hoje mesmo, o Jornal O Estado de São Paulo traz longo editorial, pedindo atenção sobre as formalidades que devem ser observadas, a fim de que não pareça que há procedimento leviano no tratamento da matéria. Pronto para apreciar e sem ter declinado até aqui o meu voto, pois só o farei na assentada do julgamento, em tempo oportuno, apesar disso, não me parece que devamos andar com tanta pressa. É preciso que possamos dar à Nação a certeza de que estamos julgando criteriosamente. Exatamente nesse sentido, por essa razão, é que não assinei o requerimento e, ainda agora, não o farei, por não me parecer adequado.”

Apesar desta correta advertência, no dia seguinte, o Senado se reuniu em sessão extraordinária, para a realização de uma inusitada votação simbólica.
De acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Mandado de Segurança número 21.564-0/DF, a votação deveria ser nominal, embora o Mandado de Segurança pedisse que fosse obedecido o artigo 188 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que determinava que a votação fosse secreta. Em nenhuma hipótese a votação simbólica é admitida. Apesar disto, o Presidente do Senado preferiu usar a votação simbólica.


Erro ou conveniência ?

Na votação simbólica, quem fica sentado vota sim, quem se levanta vota não. Os esquecidos ou desatentos que, porventura, permanecerem sentados estarão votando sim, independente de sua manifestação pessoal. Estarão votando sim também aqueles que, por qualquer motivo, não estiverem presentes. Mais uma vez as regras não foram obedecidas.

Convém ressaltar que o Regimento Interno do Senado Federal não admite, nos casos em que o assunto deva ser submetido a votação nominal, a sua substituição pela votação simbólica, ainda que por meio de deliberação do plenário, sendo que a substituição indevida gera a sua nulidade absoluta.

Mais grave ainda é que a lei 1079/50, ressuscitada de forma ilegal, foi também violada, pois o artigo 47, determina que a votação tem que ser nominal. Mais uma violação!

Outro detalhe que chama a atenção é que, durante o julgamento que durou quase 24 horas, quando os advogados de defesa apresentavam seus argumentos e ouviam as testemunhas de defesa, os senadores não estavam presentes. Muitos deles foram passear, outros jantar, outros confabular em reuniões fora do Senado ou em seus gabinetes.

Há registros que, nos momentos mais importantes em que os advogados questionavam as testemunhas de defesa, havia apenas seis senadores no plenário. Ora, como poderiam fazer um julgamento sério se os julgadores não estavam presentes no momento da apresentação dos argumentos de defesa e das declarações das testemunhas?

O certo é que o voto de cada um já estava decidido, independente das provas ou falta delas. No próximo domingo publicarei os bastidores do julgamento.

Rony Curvelo é jornalista formado pelas universidades La Salle de Illinois e Universidade de Miami, ambas nos Estados Unidos. Já trabalhou para CNN-Espanhol, CBS Telenotícias e Univisíon. Em 2007 apresentou o “The Amazing Race - A Corrida Milionária”, numa co-produção com a Disney e exibido na Rede TV. Desde 2008 é o apresentador do “Notícias e Mais” da Rede CNT.

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