sexta-feira, 21 de outubro de 2016

AS OBRAS PSICOGRAFADAS E OS DIREITOS AUTORAIS

Tenho procurado em meus trabalhos publicados em revistas e sites da INTERNET buscar assuntos ligados ao Direito Autoral curiosos, novos e de valia para a sociedade.
Em conversa recente na Comunhão Espírita de Brasília achei curioso o tema relativo às obras psicografadas, perguntando-me como ficariam os direitos patrimoniais e morais incidentes sobre tais publicações ou pinturas ou gravuras e tantas outras modalidades de obras intelectuais.
Os espíritas entendem que uma pessoa é formada de duas partes importantes: CORPO E ESPÍRITO. Uma coisa é completamente distinta da outra e, segundo a doutrina kardecista, existe uma comunicação entre os espíritos e médiuns. Tal comunicação redunda, muitas vezes, em obras literárias e artísticas.
Os editores têm observado o espantoso aumento de obras dessa natureza, presumindo exploração comercial e divulgação de trabalhos de caráter mediúnico.
Não se trata, e é bom frisar, de qualquer eventual análise religiosa ou filosófica, mas eminentemente jurídica.
Pela complexidade da relação dessas obras com o Direito Autoral é que tentaremos demonstrar a titularidade sobre as obras psicografadas.
MAURÍCIO LOPES DE OLIVEIRA, em recente trabalho “OBRAS PSICOGRAFADAS – O DIREITO DO AUTOR”, exemplificou o problema citando o caso da viúva e dos três filhos do escritor HUMBERTO DE CAMPOS que moveram processo contra FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER e a FEDERAÇÃO ESPÍRITA DE BRASÍLIA.
O processo chegou ao Supremo Tribunal Federal, a fim de definir quem seria o titular de direitos patrimoniais: o espírito ou o médium ou ambos.
Para que isso? Para aquilatar quem deteria os direitos patrimoniais sobre as obras editadas pela Federação.
A defesa da família de Humberto de Campos foi que a viúva do escritor mantinha contrato de edição com outra editora, que publicava os trabalhos literários de seu marido, em vida, e sentiu-se numa posição incômoda e duvidosa, em virtude de não ter sido consultada e nem recebido qualquer ganho sobre as obras psicografadas pelo médium.
Precisamos, todavia, colocar os pés no chão na hora de analisarmos um caso sui generis como este.
Sabe-se que o Código Civil Brasileiro estabeleceu que a “existência da pessoa natural termina com a morte...” (v. art. 6º do Código Civil)
Logo, não podemos ser metafísicos. Não há como equacionar problemas de natureza sobrenatural.
E o STF assim o fez no momento de analisar o caso da viúva do espírito do escritor.
Ora, se a personalidade civil termina com a morte física, mors omnia solvit, somente as obras feitas em vida encontram respaldo e proteção legal.
Assim sendo, os direitos patrimoniais de obras psicografadas são exclusivamente do médium e jamais dos herdeiros da pessoa falecida que teria comunicado o texto através de fenômeno mediúnico.
Desta maneira, em caráter insofismável, o STF determinou os direitos patrimoniais em favor do médium Chico Xavier e de seus descendentes.
Corroboramos com o entendimento do órgão julgador, bastando analisar o direito hereditário.
Quando transmitimos o patrimônio de alguém que não mais existe, tal patrimônio é chamado de herança.
Com a criação da obra nascem os direitos autorais do seu criador, consoante a lei vigente que regula os Direitos Autorais e os que lhes são conexos.
Restaria a análise dos direitos morais.
O Professor Carlos Alberto Bittar esclarece o problema dos direitos morais do autor como sendo:

“Vínculos perenes que unem o criador à sua obra, para a realização da defesa de sua personalidade. Como os aspectos abrangidos se relacionam à própria natureza humana e desde que a obra é emanação da personalidade do autor – que nela cunha, pois, seus próprios dotes intelectuais -, esses direitos constituem a sagração, no ordenamento jurídico, da proteção dos mais íntimos componentes da estrutura psíquica do seu criador”.

Concordando com o mestre, Gérard Gavin, em sua obra “Le Droit Moral de L’Auteur”, no que concerne aos pressupostos do direito moral post mortem, estabeleceu que “durante a vida de um autor, o direito moral serve como proteção à personalidade através de sua obra.
Após a sua morte, o direito moral passa a ter como objetivo a salvaguarda de sua memória pela fonte de sua obra”.
O direito moral post mortem será, assim, ínsito ao seu autor, em respeito à sua obra e à paternidade do autor, protetor de sua personalidade póstuma.
Vemos, por conseqüência, que nem os direitos patrimoniais, nem os direitos morais, podem pertencer à família do espírito que se comunica com o médium. Torna-se necessária que as obras tenham sido escritas durante a sua vida, transmitindo seus direitos de exploração econômica da obra aos herdeiros hierarquicamente elencados pelo Código Civil, após a sua morte.
Até que se prove o contrário este é o entendimento preponderante sobre a temática apresentada nesse trabalho.
Deixamos, para reflexão, o pensamento do professor Caio Mário da Silva Pereira in Instituições de Direito Civil, p. 203:

“A personalidade, como atributo da pessoa humana, está a ela indissoluvelmente ligada. Sua duração é a da vida”

Esse assunto ainda caminhará por diversos pensadores do Direito, mas podemos afirmar que, até o momento, o ponto de vista dominante e insofismável é no sentido do entendimento do órgão máximo do Poder Judiciário.



Trabalho elaborado por CLAUDIO DE BARROS GOULART, Especialista em Direitos Autorais pela FGV/RJ e pós-graduado pela Universidade Federal de Goiás.
Qualquer reprodução ou utilização em sites da INTERNET ou outras mídias impressas ou não dependerá de autorização do autor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário