Artigo publicado na Gazeta de
Alagoas - 26 de junho
FERNANDO COLLOR
“Não se dirá que uma sociedade
está enferma só porque nela se registrem descontentamentos com os governantes,
denúncias de escândalos financeiros, malversação dos dinheiros públicos,
inflamados sermões moralísticos, a par da pregação das utopias. Diz-se, isto
sim, que uma sociedade está enferma quando esses sintomas se agravam e seus
excessos chegam a ser alarmantes”.
Este trecho, dramaticamente
atual, compõe o pensamento de Jarbas Passarinho, celebrizado no discurso
“Brasil: uma sociedade enferma”, proferido na Constituinte de 1988, no plenário
do Senado Federal. Seu universo eram as ideias e as reflexões. A ação e a
administração compunham seu mundo, enquanto que a grande política, tão escassa
nos dias atuais, delineava sua vocação.
Além de governador do Pará, Jarbas Passarinho conquistou três mandatos
de senador, chegando inclusive a presidir a Câmara Alta.
Porém, a titularidade de quatro
pastas ministeriais distintas, em quatro governos diferentes, talvez tenha
marcado sua trajetória. De ministro do Trabalho, de Costa e Silva, a ministro
da Educação, de Médici; de ministro da Previdência, de João Figueiredo, a,
finalmente, ministro da Justiça, função por mim confiada a ele, de 1990 a 1992.
Convidei-o para o meu governo motivado pela reconhecida experiência
administrativa e convergência nos ideais políticos do social-liberalismo.
Demonstrou impecável espírito público. À frente da Justiça, Jarbas Passarinho
foi fundamental para o sucesso da demarcação da Reserva Yanomami.
Sua atuação, no curso de difíceis
negociações, permitiu a interlocução entre os órgãos governamentais, os
movimentos sociais, as ONGs e os partidos políticos. Do mesmo modo, ele conduziu as negociações
políticas em torno da mudança do sistema de governo, diante do qual me
determinei a realizar e cujo plebiscito ocorreria em 1993, como previa a
Constituição Federal. Como chefe da Nação num sistema presidencialista e
defensor da opção parlamentarista, imaginei que seria possível trazer ao debate
público as vantagens da adoção do sistema parlamentar de governo. Esta complexa
missão política de Jarbas Passarinho acabou interrompida por óbices no plano
político-partidário.
Ele testemunhou vários episódios. Num deles,
no início de 1992, tomando café da manhã comigo, no Palácio da Alvorada, em
companhia do então deputado Ulysses Guimarães, já convivíamos com rumores sobre
o processo de impeachment. Ouvimos do Dr. Ulysses a garantia de que o PMDB não
apoiaria aqueles que já se movimentavam para me afastar da Presidência. Em suas
palavras, era uma aventura. Mais tarde, por pressão de Orestes Quércia – e por
esquisitas interferências –, o Dr. Ulysses mudaria de ideia.
Como todo homem público de
inegável protagonismo, Jarbas Passarinho também sofreu injúrias. Conviveu com
injustiças, mas não se negou a combatê-las, impedindo que versões maliciosas
prevalecessem sobre os fatos. Deixou-nos a receita para o embate cotidiano:
“Quem sabe suportar corajosamente os acidentes da vida comum, não precisa
engrandecer-se para ser soldado: viver é lutar”.
Devo não só agradecer
publicamente ao ministro e senador Jarbas Passarinho, pelo espírito público
demonstrado em meu governo, mas também homenageá-lo. Concluo relembrando trecho
da carta que lhe escrevi, e que foi por ele mesmo destacado em sua fala de
despedida do Ministério da Justiça: Tenha-me como seu admirador e testemunha de
sua honradez e desprendimento.
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