quarta-feira, 29 de junho de 2016

Tributo a Jarbas Passarinho


Artigo publicado na Gazeta de Alagoas - 26 de junho

 FERNANDO COLLOR


“Não se dirá que uma sociedade está enferma só porque nela se registrem descontentamentos com os governantes, denúncias de escândalos financeiros, malversação dos dinheiros públicos, inflamados sermões moralísticos, a par da pregação das utopias. Diz-se, isto sim, que uma sociedade está enferma quando esses sintomas se agravam e seus excessos chegam a ser alarmantes”.

Este trecho, dramaticamente atual, compõe o pensamento de Jarbas Passarinho, celebrizado no discurso “Brasil: uma sociedade enferma”, proferido na Constituinte de 1988, no plenário do Senado Federal. Seu universo eram as ideias e as reflexões. A ação e a administração compunham seu mundo, enquanto que a grande política, tão escassa nos dias atuais, delineava sua vocação.  Além de governador do Pará, Jarbas Passarinho conquistou três mandatos de senador, chegando inclusive a presidir a Câmara Alta.
Porém, a titularidade de quatro pastas ministeriais distintas, em quatro governos diferentes, talvez tenha marcado sua trajetória. De ministro do Trabalho, de Costa e Silva, a ministro da Educação, de Médici; de ministro da Previdência, de João Figueiredo, a, finalmente, ministro da Justiça, função por mim confiada a ele, de 1990 a 1992. Convidei-o para o meu governo motivado pela reconhecida experiência administrativa e convergência nos ideais políticos do social-liberalismo. Demonstrou impecável espírito público. À frente da Justiça, Jarbas Passarinho foi fundamental para o sucesso da demarcação da Reserva Yanomami.
Sua atuação, no curso de difíceis negociações, permitiu a interlocução entre os órgãos governamentais, os movimentos sociais, as ONGs e os partidos políticos.  Do mesmo modo, ele conduziu as negociações políticas em torno da mudança do sistema de governo, diante do qual me determinei a realizar e cujo plebiscito ocorreria em 1993, como previa a Constituição Federal. Como chefe da Nação num sistema presidencialista e defensor da opção parlamentarista, imaginei que seria possível trazer ao debate público as vantagens da adoção do sistema parlamentar de governo. Esta complexa missão política de Jarbas Passarinho acabou interrompida por óbices no plano político-partidário.
 Ele testemunhou vários episódios. Num deles, no início de 1992, tomando café da manhã comigo, no Palácio da Alvorada, em companhia do então deputado Ulysses Guimarães, já convivíamos com rumores sobre o processo de impeachment. Ouvimos do Dr. Ulysses a garantia de que o PMDB não apoiaria aqueles que já se movimentavam para me afastar da Presidência. Em suas palavras, era uma aventura. Mais tarde, por pressão de Orestes Quércia – e por esquisitas interferências –, o Dr. Ulysses mudaria de ideia. 
Como todo homem público de inegável protagonismo, Jarbas Passarinho também sofreu injúrias. Conviveu com injustiças, mas não se negou a combatê-las, impedindo que versões maliciosas prevalecessem sobre os fatos. Deixou-nos a receita para o embate cotidiano: “Quem sabe suportar corajosamente os acidentes da vida comum, não precisa engrandecer-se para ser soldado: viver é lutar”. 

Devo não só agradecer publicamente ao ministro e senador Jarbas Passarinho, pelo espírito público demonstrado em meu governo, mas também homenageá-lo. Concluo relembrando trecho da carta que lhe escrevi, e que foi por ele mesmo destacado em sua fala de despedida do Ministério da Justiça: Tenha-me como seu admirador e testemunha de sua honradez e desprendimento.

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