terça-feira, 7 de agosto de 2018

Meu comunista de estimação - Nelson Motta

Foto: David Pacheco
​Conheci Djalma Limongi em 1971, com administrador da produção de "Apareceu a Margarida", com Marilia Pêra, no Teatro Ipanema. No pior da ditadura, uma peça de teatro com uma professora tirânica, desbocada e anárquica dando uma aula furiosa para seus alunos - a platéia.
​A peça de Roberto Athayde era uma "metáfora explicita do que vivíamos. O publico era tratado como uma classe de idiotas e analfabetos e a interpretação de Marilia lhe rendeu todos os premios e um sucesso espetacular de publico. Mas tambem muito medo da Censura, que tirou a peça de cartaz tres vezes, e de ser chamada para explicações no DOPS. Tive que ir a Brasilia duas vezes para discutir com o general Antonio Bandeira, um cearense atarracado e brabo, que no ano seguinte comandaria o combate à guerrilha no Araguaia, e negociamos o corte de alguns palavrões e referencias sexuais e a peça foi re-liberada. Ele não tinha idéia sobre o que estava falando.
​Djalma era comunista, ligado a Paulo Pontes, Vianinha, Dias Gomes, Augusto Boal, o pessoal do Opinião, e outros comunas e simpatizantes secretos, e naturalmente adorava a "Margarida". Mas tinhamos muito medo de reações violentas, varias pessoas se levantavam no meio da peça indignadas e saiam gritando impropérios. Uma dessas era a mulher de um general, e, no dia seguinte, a peça foi proibida. Os dias eram assim. Djalma sempre do lado.
​Barbudinho, é claro, Djalma se vestia com despojamento mas usava uma incrivel piteira, que lhe dava um ar aristocrático em contraste com seu marxismo militante. Eu adorava discutir política com ele. Teorias conspiratórias. Paranóias delirantes. As noites eram assim.
​A vida nos levou pelos mesmos caminhos muitas vezes. Do teatro politico ele acabou comigo em festivais de rock, para me ajudar a administrar aquelas loucuras perigosas em 1975, com o "Hollywood Rock", e o "Som, Sol e Surf" em Saquarema, no ano seguinte, e finalmente, virou administrador de uma impensável ... discoteca. A Frenetic Dancin'Days Discotheque, no Shopping da Gávea, onde nasceram as Frenéticas e a inspiração de Gilberto Braga para a ambientação da sua novela Dancin'Days.
​Foram só quatro meses, mas triunfais, e Djalma e sua piteira administrando aquele desvario de um bando de amigos doidões, o DJ Dom Pepe, o produtor Léo Netto e a jornalista Scarlet Moon. Nada mais improvável do que Djalma numa discoteca. Mas ele foi fundamental, não só com o seu trabalho, mas com seu humor, sua ironia, e tambem no convivio, com uma falsa sisudez que escondia um homem amoroso e delicado. E culto e inteligente. E, sim, com seu charme de durão e sua conversa mole, sim, ele tambem tinha, sempre atraiu garotas bonitas à sua volta.
​De lá fomos para o Morro da Urca, com o Noites Cariocas, durante a década de 80, Djalma administrando quatro mil jovens subindo de bondinho toda sexta e sabado para a ilha de liberdade e alegria que era o "Noites". Era ele, sempre foi, o cara que cuidava do dinheiro, que dava limites e prudencia a meus desvarios com seu bom senso e lealdade.
​Sempre gostamos de discutir politica. Na ditadura, com posições bem próximas, porque todos eram contra. Mas tambem depois na democratização, porque ele continuou comunista, mas na legalidade, e eu fui me tornando um liberal radical do tipo independente, com horror a partidos, seitas e torcidas organizadas.
​Discutimos politica a vida inteira, com cortesia e respeito, ultimamente pelo WhatsApp. Quase todo dia quando acordava tinha uma mensagem provocativa do Djalma postada na alta madrugada quando ele ia dormir depois de mais uma noite recebendo amigos na Fiorentina, onde era muito mais do que um relações publicas, era a alma da casa.
​A ultima foi:
​"Já comprei em doze prestações o terno que vou usar na posse do Lula."
​Eu respondi:
​"kkkkk"
​Hoje não teve mensagem do Djalma, uma das melhores pessoas que conheci e uma das que mais amei.

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