Faz uns oito anos fui chamado a participar como sócio de uma ONG ligada a um sindicato grande que operava com microcrédito voltado para os seus associados. Era uma iniciativa simpática, de finalidade social, realizada por gente amiga, não implicava em nenhum aporte financeiro nem em qualquer responsabilidade na gestão, não havia, enfim, nenhuma razão para não atender o convite.
Afazeres da política, agenda sempre repleta, impediram-me de manter contato com aquela ONG e, não tendo recebido deles, durante todo este tempo, qualquer informação, prestação de contas ou notícia de suas operações, acabei me esquecendo da sua existência. Até receber, na semana passada, uma intimação da Justiça do Trabalho para pagar uma quantia elevada, de dezenas de milhares de reais, a uma senhora reclamante de nome tal.
Pensei, naturalmente, que se tratava de um equívoco: nunca havia escutado o nome daquela senhora e não era réu em nenhuma ação na Justiça do Trabalho. Mas não era equívoco. Era uma realidade surreal, inacreditável. A tal senhora havia trabalhado e sido demitida da tal ONG há mais de oito anos, antes de eu ser admitido como associado, e, inconformada, havia reclamado na Justiça do Trabalho. Corridos os trâmites, ganhou a questão, avaliada naquele montante que me era cobrado.
Dada a sentença, como a ONG não tinha recursos suficientes para pagar, a Juíza, a pedido do advogado da senhora, determinou a desconsideração da pessoa jurídica e, para tornar eficaz a sua sentença de pagamento à reclamante, escolheu, arbitrariamente, entre todos os associados, intervenientes ou não na administração, presentes ou não no momento do ato objeto da reclamação, escolheu arbitrariamente, completamente arbitrariamente, três dos associados para pagarem. Quais os critérios desta escolha peticionada? Posso apenas imaginar: este aqui porque foi senador, deve ter roubado muito, pode pagar; este outro aqui é um deputado, também deve ter roubado e pode pagar; e esta foi funcionária do senado, deve também ter recebido muito dinheiro, pode pagar. Pronto, são esses três. Têm dez dias para pagar; do contrário, terão suas contas bancárias bloqueadas, seu crédito cortado, seus bens penhorados se necessário. Não cabe recurso porque não se trata da sentença mas de um despacho da juíza. Se quiserem, podem reclamar ao bispo.
Foi exatamente o que aconteceu. E não é caso único; conheço várias outras ocorrências com amigos meus responsabilizados de maneira semelhante em relação a empresas que foram à falência. Tenho um amigo dileto que teve sua vida literalmente arruinada, a ponto de viver hoje constrangido, sustentado pela ajuda financeira mensal de amigos. Ele foi escolhido pagante por ter sido diretor do BNDES, logo, deve ter muito dinheiro também roubado.
Bem, pergunto, que justiça é esta? Por que eu, inocente, sou apenado, tenho de pagar se não tive absolutamente nenhuma ingerência na gestão da ONG e na decisão que provocou a demanda da reclamante? Que critério é este que, para fazer justiça, comete uma flagrante injustiça de outro lado? Não seria o mesmo que roubar de alguém para ressarcir outro alguém que foi roubado? Sinto-me espoliado e já fui informado de que, se pagar, serei sempre o indicado em todas as outras ações supervenientes. Se não pagar, perco a cidadania bancária. Decididamente, isso não me cheira bem, e acho que o Conselho de Magistratura deveria analisar essas decisões da Justiça do Trabalho tão absurdas.
Bem, pessoalmente, não vou me queixar ao bispo. Mas não me conformo, e vou pedir socorro (!) à própria Justiça; preciso continuar acreditando nas instituições do meu País.
Roberto Saturnino Braga é ex-senador da República
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