sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Artigo: "A classe média, o Sistema `S`e a canja de galinha"



A sociedade civil mais perfeita é a que existe entre cidadãos que vivem numa condição média (...) não pode haver Estados bem administrados senão onde a classe média é numerosa, e mais poderosa do que as outras duas (...) Pois quando uns têm riquezas imensas e os outros não têm nada, daí resulta sempre ou na pior das democracias (demagogia), ou uma oligarquia desenfreada, ou numa tirania insuportável, consequências necessárias dos dois excessos opostos.

Aristóteles, em “A Política”


A classe média, o Sistema “S” e a canja de galinha 
Por Said Barbosa Dib*

Excelente, sensato e oportuno o artigo “Pequenos negócios, muito além dos números” (Seção “Opinião” – CB - 9/10/2019) de Carlos Melles, presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). Comemorando o Dia Nacional da Micro e Pequena Empresa, apresentou pesquisa feita pela entidade que dirige, com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), mostrando que “no último mês de agosto, de cada 10 empregos gerados no país, oito estavam nos pequenos negócios". E que estes “respondem por 44% da massa salarial e geram 27% do PIB nacional”. “Estou convicto de que a saída econômica para o Brasil está nos pequenos negócios — e os números confirmam minha retórica”, afirmou com a convicção dos que conhecem o assunto. As informações do presidente do SEBRAE são muito importantes. Mostram como é imperativo, hoje, o apoio às políticas voltadas para os setores médios urbanos. E estes só existem através ou do trabalho assalariado (público ou privado) ou do esforço hercúleo de micros, pequenos ou médios empreendedores. 

É fato que as políticas econômicas dos últimos trinta anos acabaram por desconstruir o mal formado “Estado do Bem-Estar Social” brasileiro e inviabilizar investimentos públicos e privados, num momento em que a economia em processo de globalização provocou a oligopolização macroeconômica e, por consequência, a concentração de renda. Neste cenário, o setor assalariado médio vem tendo seu trabalho cada vez mais precarizado, seus direitos limitados e seu poder de compra comprometido. Diante do arrocho e do desemprego, teve que deixar de ser assalariado para se tornar micro, pequeno ou médio empresário, como alternativa para sua sobrevivência.

As políticas socioeconômicas sucessivas privilegiaram ou o sistema financeiro rentista especulativo, por um lado, ou os extremamente pobres, por outro, com medidas paliativas contra a fome extrema, como no caso do "Bolsa Família". A classe média ficou a ver navios. O que os governos ainda não perceberam é que a classe média é importante não só pela óbvia estabilidade política que traz, mas, também, pela sua grande capacidade geradora de empregos, impostos e consumo, pois é responsável por aproximadamente 60% das vagas criadas pela economia e faz circular riquezas em áreas que dependem muito dela, como: hotéis, agências de viagens, empregados domésticos, lavanderias, planos de saúde, serviços automotivos, restaurantes, construção civil, etc. É da classe média, também, que vem cerca de 62% da receita dos shoppings, 58% do setor da educação, 61% do setor automotivo, 60% dos setores mobiliário e de telecomunicação e, também, 50% das receitas dos supermercados. A classe média é responsável, ainda, por 67% da arrecadação do Imposto de Renda e cerca de 70% dos impostos sobre o patrimônio. 

Sem a classe média fortalecida não há capitalismo nacional forte, pois não há consumo suficiente. E sem consumo, não há mercado. E sem mercado, não há capitalismo, não há progresso, não há impostos, não há estabilidade, não há Estado. Não há esperança. Especulação financeira e esmolas aos pobres não são suficientes para fazer girar a roda da economia capitalista nacional. Por outro lado, políticas de integração global unilaterais, com dependência cada vez maior da exportação de commodities, sem agregação de valores, também não criam estabilidade econômica e empregos a longo prazo. As políticas econômicas dos últimos anos não consideraram esses aspectos. Vêm tratando a classe média como segmento privilegiado que deve cada vez mais contribuir para os cofres públicos. Contribui pesado (em torno de 40% em impostos), mas não usufrui dos serviços prestados pelo Estado, cuja incompetência a obriga a comprometer cerca de 102 dias/ano da sua renda para adquirir serviços privados (educação, plano de saúde, previdência privada...). 

Como o cenário político atual tende fortemente para a destruição daqueles setores médios que vivem do trabalho assalariado (público ou privado), a grande esperança está na atuação competente e corajosa de entidades da própria sociedade civil, dos próprios empresários, que buscam capacitar e apoiar justamente aqueles setores médios que foram forçados a deixarem de ser assalariados e se aventuraram na luta para se tornarem empreendedores vitoriosos. É disso que o senhor Carlos Melles está falando, quando adverte: “Ao longo do período de crise pelo qual o país passou (...) foram as pequenas empresas que evitaram que o drama do desemprego fosse ainda maior”. Daí a importância histórica e a missão patriótica das entidades que fazem parte do competente Sistema “S”, conjunto de nove instituições de interesse de categorias profissionais, estabelecidas pela Constituição brasileira e voltadas para a capacitação profissional de patrões e empregados. Sem ele, na conjuntura atual de desemprego crônico, os setores médios urbanos estariam perdidos. Deixariam de existir. Não teriam rumo. E a estabilidade socioeconômica e política estaria por um fio. Fiquemos atentos, pois já se falou em mexer no sistema... Canja de galinha e olhos bem abertos não fazem mal a ninguém...

*Said Barbosa Dib é historiador e analista político em Brasília.

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