quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Natal envergonhado - Aylê-Salassié F. Quintão

         É Natal. Alienação, anomia ou preguiça de pensar?  Em 30 anos, o Brasil cresceu menos que o resto do mundo,  pontua o nosso guru e economista capixaba Guilherme Pereira. O PIB só superou a inflação duas vezes. Distraídos, nem percebemos. Nesse período tivemos o reinado quase absoluto das pós-verdades, dos índices manipulados e dos egos inflados. Os resultados só foram conhecidos, parcialmente, depois que a Lava Jato começou a condenar e a prender, descortinando a escalada da corrupção endêmica que tomou o País ao longo dessas três décadas, sob os olhos extrovertidos dos brasileiros.
          Cada governo, cada partido, cada político forjou uma narrativa triunfalista para a educação, para o saneamento, para a saúde, para os investimentos e até para o Orçamento . Chegou-se a propagar a extinção da dívida externa e a intenção brasileira de ingressar na OPEP - Organização dos Produtores e Exportadores de Petróleo (OPEP). Anunciaram-se superávits na Previdência.  De tanto forjar e repetir lorotas alguns políticos e economistas terminaram contaminados por elas.
         A propósito, serve de lição a indiferença do povo alemão com a política e os governantes, após a segunda guerra. Com o país arrasado e ocupado , a população foi tomada por um estado de anomia. Calara-se , humilhantemente, ante os discursos ufanistas e, depois, a realidade dramática que se descortinou no pós-guerra. Os alemães assistiram imobilizados o país ser leiloado por estranhos.  Entre nativos, já não havia inimigo, nem amigo. Todos eram vítimas e, ambiguamente, também responsáveis pelo o que acontecera. Ninguém podia, de fato, posar de  inocente. Haviam, sim, caído no conto do vigário .
       A população tinha consciência de que  a única reação possível era trabalhar duro para recuperar as conquistas sociais e a unidade nacional, e isso exigiria sacrifícios. O povo alemão passou a ignorar as mitologias e as  ideologias. O cidadão  preocupava-se com a sobrevivência e, com ela, a reconstrução do país.    Entrou em estado de completa indiferença política. Ignorava conversa até mesmo de quem chegava para ajudar.  Passou a cultivar a desconfiança e a trabalhar intensamente para recompor as matrizes identitárias.
        Teve de engolir duas Alemanhas, mas com esse escopo, uma se desenvolveu  pelo esforço individual e a livre iniciativa;  a outra, sob opressão,  ganhou características de terceiro mundo. O processo de unificação, logo após a queda do muro de Berlim, com aquele povo todo correndo para o lado da República Federal (ocidental), mostra  o fracasso do regime do outro lado. Da República Democrática (oriental) restaram apenas marcas pontuais.
            Os políticos brasileiros não percebem que há na sociedade um silêncio angustiado e profundo, quase um grito preso na garganta, contra as leviandades a que foram submetidos os cidadãos nesses últimos trinta anos. Há nesse silêncio uma vergonha nacional incubada , revelada nos índices nacionais de confiança no governo.
           Não se trata propriamente de alienação. Mas de um silêncio constrangido, dentro do qual se esconde um desprezo crescente  pelo cinismo institucionalizado que não se restringe ao Congresso . Está espalhado por todas as esferas, inclusive dentro do Judiciário.  “Doch Heilig war uns nichts auf dieser Wel” ( Minha pátria perdeu a sacralidade). Aqui fora, 52 milhões de pessoas com renda média abaixo de dois salários mínimos e 11 milhões de jovens desempregados mostram-se constrangidos diante dos privilégios desnudados no espaço do Poder e, entre outras,  a  invenção da polarização na disputa pela sucessão presidencial em 2018, que fomenta a divisão regional e social. 
           Somados a muito trabalho, na Alemanha, a unidade nacional e o silêncio envergonhado da população fez  emergir do caos, em menos de 20 anos, um país que se tornaria o carro chefe da Europa . Por lá, o Natal está em todos os lugares hoje. No Brasil  será nostálgico e assustado. Trinta  anos de enganação.  Por aqui, até quem se reconhece ludibriado não pode se dizer inocente. Provavelmente potencializa em silêcioso uma vigança nas eleições com a rejeição ampla nas ruas e nas urnas, em 2018. 

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