Por Wilson Périco, presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam)
É irresponsável e padece de fundamentação
a afirmação feita em palestra recente e publicada no portal do Insper, pelo
economista Marcos Lisboa, vice-presidente da instituição, segundo o qual “O
programa Bolsa Família é barato e muito eficaz, e custa 0,5% do PIB. Mas há
outras despesas com pouca comprovação de benefícios à sociedade. A Zona franca
de Manaus e os subsídios do BNDES custam, cada um, o equivalente às despesas do
Bolsa Família por ano”. A afirmação categórica sobre a Zona Franca de Manaus
sugere desinformação e se vale de comparações vazias de argumentos, incoerentes
no formato e levianas de conteúdo. O Brasil leviano desconhece o Brasil da
exclusão que burocratas e arautos do descaso fazem questão de remover de sua
geografia obtusa.
Seria a ilação “despesa não comprovada” um
atestado de desinformação ou má-fé? Como ex-burocrata de primeiro escalão da
Receita Federal ele não pode ignorar que não há custeio público no modelo
industrial da Zona Franca de Manaus. Há renúncia. Nenhum centavo sai da União
para as empresas instaladas na ZFM. A isenção parcial de impostos só se aplica
a partir da inserção do produto no mercado. E se não houvesse o modelo como
Marcos Lisboa parece defender, não haveria renúncia muito menos essa generosa
remessa de recursos federais à União. Criado para reduzir as desigualdades
regionais através de renúncia fiscal - como se lê na Constituição Federal de
1988, e reafirmada em 2014, por reconhecimento praticamente unânime do
Congresso Nacional - o modelo ZFM foi transformado historicamente num
exportador de recursos para a União. Nessa distorção perversa, a maior parte,
54,42% da riqueza produzida pelos benefícios fiscais, volta para os cofres da
União, de acordo com os estudos feitos pela Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade da USP. Foram analisados, em tese de doutorado, os efeitos que
os incentivos fiscais concedidos a indústrias instaladas na região têm na
distribuição de riquezas entre funcionários, proprietários e governo. Para o
pesquisador Jorge de Souza Bispo, autor da dissertação "Criação e
Distribuição de Riqueza pela Zona Franca de Manaus", a configuração assim
aparece: 54,42% vão para o governo; 27,28% são distribuídos entre os
empregados; e apenas 1,82% fica com os empresários. Em compensação, no restante
do país o governo recebe 41,54% de toda a produção; os empregados ficam com
36,31%; e os empresários, com 6,44%. Uma conclusão surpreendente em modelos com
incentivos fiscais. As empresas locais geram em média 31% de riqueza sobre o
faturamento, enquanto no restante do país as demais plantas criam
aproximadamente 50%.
O modelo Zona Franca de Manaus, açoitado
por uma crise que decorre da omissão de responsabilidades federais no que se
refere ao provimento de infraestrutura, que solapou historicamente sua
competitividade, comparece com 50% dos impostos recolhidos pela União na Região
Norte. E o Amazonas é um dos oito estados da Federação que mais recolhem do que
recebem recursos. A exportação de recursos para a União arrecadou em 2012, R$
8,958 bilhões, e recebeu de volta apenas R$ 2,535 bilhões, uma informação que
não poderia escapar a um economista, que ignora a diferença entre
assistencialismo e empreendedorismo. Na aritmética das transferências
constitucionais, a renúncia fiscal real gira em torno de R$ 6 bilhões. No
portal da Receita Federal, esses dados estão claros, assim como estão claros
numa consulta rápida e acessível, os impostos federais recolhidos pela cadeia
integral do modelo Zona Franca de Manaus, que gera 120 mil empregos no chão de
fábrica, 600 mil indiretos no Amazonas e, a partir daí, aproximadamente 2
milhões ao longo da distribuição de seus produtos em todo território nacional.
Os benefícios seriam maiores para esta
parcela esquecida da brasilidade se os recursos de Pesquisa e Desenvolvimento e
as Taxas da Suframa, recolhidas ambos junto às empresas locais, não fossem
confiscados pela União progressivamente ao longo de mais de uma década, algo em
torno de R$ 3 bilhões. Este modelo gera, sim, muitos benefícios não só ao
Amazonas, mas ao Brasil, os brasileiros que consomem os produtos fabricados
aqui. Esse discurso raivoso da renúncia é risível se esta for comparada à
renúncia histórica da indústria automobilística. Aqui, as empresas instaladas,
comprovadamente, lucram menos que outros arranjos industriais do país, mesmo
assim patrocinam integralmente o orçamento da Universidade do Estado do
Amazonas, a maior uni versidade multicampi do planeta, presente em 62
municípios, além dos fundos estaduais de turismo, fomento e interiorização do
desenvolvimento, que permitem, por exemplo, financiar os projetos de cadeias
produtivas no interior. São mais de R$ 1,3 bilhão anual de investimentos, entre
universidade, Centro de Educação Tecnológica, turismo e programas de
agroindústria para a população ribeirinha. Sem quaisquer despesas ou
investimentos, não há registros na História do Brasil de um modelo federal de
desenvolvimento com tantos benefícios e acertos.
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