O assunto do dia refere-se aos presídios, depois
que o ilustre ministro da Justiça declarou que preferiria a morte a, se
condenado, ter de cumprir pena em uma das nossas cadeias. A declaração, em
termos absolutos, foi pública e solene. Era natural que repercutisse como
nenhuma outra que tenha sido feita pelo mesmo ao longo de quase dois anos; sua
declaração foi objetiva e não podia deixar de ressoar no estrangeiro; mas ainda
estava por acontecer alguma coisa mais chocante: para trazer os "presídios
medievais" aos tempos de hoje, a lei orçamentária vigente consigna ao
Ministério competente R$ 312,4 milhões, dos quais foram gastos apenas R$ 63,5
milhões, deixando no desvio, por conseguinte, nada menos do que R$ 258 milhões.
E agora, José? Mais de R$ 250 milhões deixados sem aplicar em presídios
enquanto estes permanecem em condições "medievais". Muitas coisas
poderia dizer a respeito desse quadro inacreditável, mas prefiro ficar na
simples enunciação dos fatos, uma vez que ela fala por si mesma e tanto
estigmatiza a autoridade relapsa quanto o governo leniente. Como foi divulgado,
com a verba deixada a mofar poderiam ser construídas oito prisões que não
seriam "medievais", sem falar na adequação física das penitenciárias,
na liberdade vigiada por monitoramento eletrônico e na construção de novos
estabelecimentos penais nos Estados, quando todos, menos o Piauí, têm excesso
de presos e falta de vagas. Enfim, estamos em uma situação que se diria
esquizofrênica. Passando das instalações materiais ao funcionamento das
prisões, não ignoro suas deficiências, a começar pelo elemento humano, dado que
a população carcerária carrega consigo uma condenação e cada um de seus
componentes tem a sua queixa e sua revolta; também não é fácil selecionar os
funcionários que devem atuar dia e noite em todos os variados setores de uma
prisão; a própria proximidade entre as duas comunidades, a despeito das grades
que as separam, não impede uma ou outra situação indesejável; por fim, os
governantes também têm sua quota de responsabilidade, uma vez que fazer uma
prisão, por melhor que seja, não consagra um administrador, ao passo que erguer
um hospital, escola, estádio esportivo, ou mero chafariz na praça, será mais
lembrado do que uma prisão ainda que pós-medieval. A propósito, na presidência Sarney, seu ministro da
Justiça, depois de sumário levantamento acerca da situação carcerária de cada Estado,
levou ao presidente plano modesto, dadas as condições difíceis do erário, que
consistia em fazer um presídio em cada Estado, e em cada Estado foi feito um;
era pouco? Sem dúvida, era o mínimo, mas o possível, e devia ser o primeiro
passo. Parece que o plano não teve continuidade, pois, caso contrário, passado
um quarto de século, a situação carcerária evidentemente teria de ser outra. Se
ao longo desse período se prosseguisse a construção, ano a ano, de um presídio
em cada Estado, hoje sobrariam vagas; se a construção fosse de um
estabelecimento por Estado, durante o perío- do de cada quadriênio
governamental, seriam seis.
* Paulo Brossard, jurista, ministro da Justiça no governo Sarney e ministro aposentado do STF
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