Por Ênio José Toniolo
Em março de 1964 eu era calouro na Universidade
Federal do Paraná. Vivi tudo. O governo Jango (em quem eu tinha votado) era
fraco e confuso; a corrupção corria solta, embora menos ostensiva que
hoje; greves pipocavam por toda a parte; a inflação beirava os 90% e
o PIB diminuiu 2% num ano. O país andava devagar, quase parando. A maioria do
povo e da imprensa praticamente implorava a derrubada do governo, e a
conspiração foi de início encabeçada pelos civis: governadores Lacerda, Ademar,
Menegheti e Magalhães Pinto. Ney Braga, da esquerda católica, ficou
em cima do muro o quanto pôde. A população saiu ordeiramente às ruas, nas
imensas Marchas da Família com Deus pela Liberdade. As fotos estão aí, nas
coleções de jornais. As Forças Armadas saíram dos quartéis quando os
janguistas começaram a quebrar a sua disciplina. Dia 31 (e não primeiro de
abril, como às vezes inventam) o general Mourão Filho desceu de Minas, deu a
partida, e o castelo de cartas desmoronou sem um tiro sequer. Os
“defensores do povo”, que juravam estar prontos a morrer por
ele, pegaram suas malas de dinheiro e refugiaram-se nas embaixadas e
nos países vizinhos. Fala-se na ajuda ianque; mas no enfrentamento
com a URSS leninista, que esperar dos Estados Unidos? Que
aplaudissem a provável vitória vermelha no Brasil? Ora,
não sejamos tão ingênuos! Os desfiles de agradecimento às Forças Armadas, nos
primeiros dias de abril, foram monumentais e mostravam de que lado
estava a opinião pública. Mas esperava-se que a intervenção
militar fosse cirúrgica e de pouca duração, já que os governadores, vários
deles candidatos à presidência, ansiavam pela eleição de 1965. Nada feito: os
generais gostaram do poder, ou desconfiavam dos civis. Começaram os ataques
gerrilheiros e terroristas, com a desculpa de “retorno à democracia”. Pura
propaganda enganosa. A escola deles, no sentido literal e figurado, era a
ditadura cubana, onde vários deles estagiaram – e fizeram cirurgia plástica... Claro
que houve prisões, torturas e mortes. Era uma guerra, e pouco limpa. As luvas
de pelica ficaram no tempo dos Três Mosqueteiros. Quem realmente pelejou pela
redemocratização foi o PMDB. E, quisessem ou não, deu nisso que está aí. No
balanço: de dois males, devemos escolher o menor. Em 1932, São Paulo merecia
torcida contra Getúlio; em 1939, os Aliados eram melhores que o Eixo; em
1964, os militares eram preferíveis à República Sindicalista em
gestação.
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