terça-feira, 12 de julho de 2022

Crônica de Anna Ramalho -

Em meados do ano passado, minha amiga Regina Martellime deu a devastadora notícia de que tinha sido diagnosticada com um linfoma na coluna, depois de dores atrozes que vinha sofrendo e que a impediam até de sentar normalmente. Seria operada e depois submetida a tratamento de rádio e quimioterapias. Fiquei muito abalada. Dentre os amigos-irmãos que tenho, ela é a que mais tempo tem de casa: fomos inseparáveis dos 12 aos 18, 20 anos, morávamos na mesma Rua Dias da Rocha, frequentávamos o mesmo Colégio Santa Úrsula ( ela é um ano mais moça do que eu) para onde íamos diariamente no mesmo ônibus escolar e – mais importante – seu saudoso irmão Cacau (ou Kakao, como ele gostava) virou meu irmão também, foi nosso mentor intelectual e social, formávamos um trio inseparável. As férias de verão, de inverno, os feriados, Regina passava comigo na casa de Teresópolis, onde nos esbaldamos muito, frequentamos todos os arrasta-pés das temporadas e pulamos muito carnaval no Higino. Como eu, ela se formou em jornalismo na PUC e andamos mais ou menos juntas pelas redações da vida.

Com alguns interregnos, temos estado ligadas sempre: nas alegrias e nas tristezas. E, àquela altura, fiquei tão desnorteada com a notícia que ela me deu com a voz firme de sempre, sem qualquer vitimização, que repliquei à guisa de consolo: “Todo mundo tem câncer agora, Regina. Qualquer hora dessas, eu também…”

Numa prova de que não devemos jogar palavras à toa para o universo, chegou a minha vez e convivo há meses com aqueles dois milicianos que se instalaram no meu pulmão esquerdo – já em pleno processo de expulsão do território, graças a Deus e ao amor e orações dos meus incansáveis familiares e amigos, todos me apoiando numa rede de solidariedade e de afeto como poucas vezes vi. A palavra tá surrada, mas é ela mesmo: GRATIDÂO.

Regina é a mulher mais vaidosa que conheço.  É também referência em moda ( foi editora de moda de vários veículos e se aposentou da função na TV Globo, coberta de glória), elegância, alegria e animação. Suas festas são sempre as melhores, assim como as pequenas reuniões que promove ao lado do marido, o empresário paranaense João Elísio Ferraz de Campos, parceiro fantástico.

Durante toda a doença e seu pesado tratamento – 6 meses – ela jamais se queixou, nunca posou de vítima. Só uma vez ela confidenciou: “O cabelo caindo é um horror! “

Foi nela que me inspirei para, primeiro, cortar o cabelo curtinho. Pensava que, agindo assim, evitaria a queda. Ledo engano. Desde o início da minha doença, Regina tinha dito que me daria uma peruca de presente. A que eu escolhesse: daquelas que colam na cabeça e só se tira de 15 em 15 dias para lavar no cabeleireiro, a que ela usou. Ou a peruca tradicional do tira e põe, a que eu preferi.

Fomos comprar na semana passada. Rimos muito porque, para nós, tudo é motivo de riso. Fiquei lembrando de todo o tipo de presentes que já trocamos ao longo da  vida – de roupas da moda a lingerie básica, dependendo da grana da época – nos aniversários, nos Natais, as lembranças sem motivo. Rimos também da quantidade de tratamentos que já fizemos nos cabelos,  que começaram a cair com a idade,  para sermos flagradas na suprema ironia de ir comprar peruca de cabelo Joãozinho – ela e eu. O dela já crescendo; o meu, hoje, completamente raspado. Virei um Buda.  A peruca é linda, muito melhor do que estava meu cabelo, que, de tão ralo na frente, mais parecia um campo de futebol de várzea dos mais vagabundos. Já saí da loja com ela e me achando. Com razão: o cabelo dá outra moral. Para a mulher é muito difícil perder os cabelos, a sua marca registrada, ainda que não sejam  mais as belas melenas da juventude.

Sofri também, não vou mentir. Fiquei abalada. Mas já sacudi a poeira rapidinho. O importante é ficar boa, seguir na luta para expulsar esses milicianos bandidos que não vão tomar meu território de jeito nenhum. Sansão perdeu os cabelos,  a fonte de sua força bruta – que matou  mil filisteus mano a mano, como reza a lenda –  quando sua amante, a falsineide Dalila, cortou-lhe os cabelos em troca de 1.100 moedas de prata. O pobre ficou fraquinho, fraquinho, e ainda foi preso e cegado na cadeia. Horror bíblico. Regina e eu perdemos o cabelo, mas jamais a força. Ela já está 100% curada, a vida felizmente de volta ao normal. Eu estou na mesma trilha, na mesma vibe: semana que vem, acaba o tratamento. Ainda tenho que confirmar nos exames de imagens  e com minha junta médica  – Roberto Zani, Bruno Nahoum, José Lamarca, José Luiz Fuzer Júnior e David Nigri, timaço de craques  – se os milicianos se mandaram de vez.

Tenho fé que sim. Deus é Pai, Nossa Senhora é Mãe, meus médicos são o máximo. E os amigos –  ah os amigos!!! – para eles, suas ações  e suas orações, dedicarei uma crônica especial.

Até a próxima!


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