sábado, 14 de agosto de 2021

Carta aberta aos Ministros do Supremo Tribunal Federal

Assunto: Contra a homologação do Decreto 10.502, que regulamenta as escolas especializadas no Brasil.

 

Senhores,

 

Vos falo como cidadã brasileira que sou, que respeita e ama este país.  Minha carreira faz-me viajar muito. Vivendo em vários países pude admirar-lhe pontes fortes e constatar fraquezas. O convívio com tantas diferenças ensinou- me a respeitá-las e a entender que cultura, civilização, é processo dinâmico e não linear, pelo qual passa a humanidade inteira; cheio de altos e baixos mas, sempre, com resultante ascendente. Isto me trouxe a certeza de que, apesar de grandes problemas a serem enfrentados, um dia todos  “chegaremos lá”  - no ápice, em uma sociedade justa formada por uma humanidade solidária, em que cada e todo ser humano - independente de raça, credo, cor, convicções políticas - terá suas necessidades básicas  garantidas  e poderá  viver com segurança e dignidade, desenvolvendo seu potencial e colocando-o à disposição de seus semelhantes. Cabe a nós construir esse futuro, passo a passo, mas isto só será possível quando houvermos  entendido que, muito além de aparências externas, o que conta é o SER, a sagrada essência da vida presente em cada um de nós. 

 

Nessa bela construção cada geração tem papel a desempenhar. Conosco não é diferente. Fomos chamados a um desafio de porte: o de enfrentar preconceitos arraigados, reforçados por sistemas sociais injustos, enfraquecê-los - porque o tempo de destruí-los ainda está por vir - e, enfraqueceendo-os, dar um grande passo à frente, ajudando a tornar realidade a letra de nossa Constituição, o pivot da Declaração dos Direitos do Homem:   o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis ­[...]fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Para que se cumpra a tarefa exigida de nós, é indispensável impedir a homologação do Decreto 10.502 que regulamenta as escolas especializadas no Brasil, o que continuará a permitir acesso à escola regular a todas as crianças e jovens brasileiros, extinguindo bolsões de segregação e conferindo juridicamente ao Brasil o status de sociedade inclusiva.

 

Não há nação mais próxima desta “sociedade inclusiva” do que o Brasil.  Porque, em que pesem problemas pontuais, a inclusão está inscrita em nossos gens, cinzelada pelo fundamento histórico da miscigenação que moldou o povo brasileiro. A forma acolhedora com que tratamos imigrantes, a facilidade com que os mesmos se integram em cada camada social da nação, nossa política externa para refugiados - exemplar, segundo a ONU, são baluartes de uma sociedade inclusiva e comprovam que somos,  por natureza,  inclusivos. A não homologação do Decreto 10.502 virá, apenas, fornecer arcabouço legal para legitimar essa tendência inerente ao povo brasileiro e, pela força da lei,  impô-la aos recalcitrantes. Porque, sabemos, há quem seja a favor da homologação do Decreto 10.502 : uns, por acreditarem que portadores de deficiência estão mais protegidos em estabelecimentos especiais, apenas a eles dedicados – podemos mostrar-lhes, na prática, estarem equivocados;  outros porque, com base em mesquinhos preconceitos ligados a antigas e deploráveis formas de pensar, classificam seres humanos segundo aparência, cor, religião, posses  -  mostremo-lhes que não é essa a forma de pensar do povo brasileiro;  há, enfim, os que são contra a escola inclusiva em defesa de espúrios interesses econômicos - porque uma escola inclusiva não comporta 30, 40, 50 alunos em sala de aula e exige adaptações de espaço e aprofundamento de formação do pessoal, o que lhes deixará menos lucros - a estes,  mostremos que a sociedade brasileira tem o Homem, não o lucro, como parâmetro maior. 

 

Para o ser humano e para a sociedade, a escola inclusiva é um passo a frente: a convivência diária entre pessoas com e sem necessidades especiais (existirá alguém sem alguma necessidade especial?) ensinará  respeito e compreensão pelas diferenças; abrirá a todos os cidadãos brasileiros a possibilidade de acesso à educação - direito que, embora garantido pela  Constituição Cidadã, ainda não se concretizou; possibilitará a entrada  no mercado de trabalho  de um contingente até o momento marginalizado, por preconceitos existentes e porque lhe vem sendo negada a possibilidade de estudo;  irá mostrar ao mundo que o Brasil é um país moderno, antenado com os movimentos de vanguarda, onde os direitos humanos são respeitados e sancionados por lei. 

 

Em sendo assim, Senhores, por entender ser isto o melhor para a sociedade brasileira e para todos os indivíduos portadores de necessidades especiais - dentre os quais minha filha, uma jovem que tem Síndrome de Down e que sempre estudou em escolas regulares, peço-lhes que se mantenham à altura da missão que nosso século lhes concedeu, dando arcabouço jurídico a um traço marcante da sociedade brasileira: impeçam a homologação do Decreto 10.502. 

 

Respeitosamente,

Rose Marie Romariz Maasri,

Arquiteta, Professora de Artes

CI 4199 - MRE

 

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