terça-feira, 7 de outubro de 2014

Orlando Senna: “Dia de eleição”


Eu era muito menino mas me recordo das eleições presidenciais de 1950, com o mesmo tipo de recordação que guardei da derrota do Brasil para o Uruguai no Copa do Mundo daquele ano: uma nesga de lembrança, um fiapo de memória. Aliás, tenho muitos fiapos de memória, cenas ou imagens que, segundo meus pais e avós, aconteceram quando eu tinha três ou quatro anos de idade. Do Maracanaço (ou Maracanazo como escrevem os uruguaios e todos não brasileiros) me lembro apenas de meu avô Samuel gritando em direção ao rádio, falando com Ademir Menezes a longa distância: “Ademir, faça um gol pelo amor de Deus”. E só. Da eleição daquele ano a nesga são as pessoas da pequena cidade onde morava, no interior da Bahia, passando na rua com roupas domingueiras e com muita solenidade. As mulheres com seus melhores trajes e todos os homens de terno e gravata. A recordação é a dessa solenidade, desse clima de alto respeito, de religiosidade. Tanto que, como contava minha mãe, em um casamento na igreja matriz da cidade, ao qual fui levado alguns dias depois, perguntei se era, outra vez, dia de eleição. A eleição seguinte, em 1955, também ficou armazenada no meu hipocampo (região cerebral onde, segundo os cientistas, ficam registrados os eventos importantes de nossas vidas). A essa altura estava vivendo os primeiros anos da adolescência em um colégio de Salvador, em regime de internato, e a recordação tem a ver com o que tinha acontecido um ano antes: o suicídio de Getúlio Vargas. No dia em que aconteceu a tragédia de Getúlio, que marcou profundamente a História do Brasil, fugi do internato saltando o muro dos fundos do colégio, para ver o que estava acontecendo nas ruas. Então, em 1955, eu já sabia das coisas, ou pensava saber. O que tenho bem nítido no hipocampo é o entusiasmo de meu pai por Juscelino Kubitschek, o candidato eleito. Principalmente uma conversa que testemunhei, de um professor com meu pai, em uma de suas visitas ao colégio. Ele dizia que Juscelino era o único candidato que apresentava um bom “programa de governo”. A frase grudou nos meus neurônios, “programa de governo”, e quis saber mais, perguntei em sala de aula o que era isso e o professor Agenor Almeida (um dos meus mestres inesquecíveis) deu uma longa explicação. Não me lembro o que ele disse, mas lembro da sensação de novidade que seu discurso provocou em mim, a percepção que a vida era mais complexa do que supunha, que eu tinha muito que estudar e aprender. A terceira eleição mais marcante da minha vida só aconteceu décadas depois, já adulto, consciente e militante político: a vitória de Lula em 2002. Anos antes havia me entusiasmado (talvez mais do que meu pai com Juscelino) com a criação do Partido dos Trabalhadores, o primeiro do mundo com essa designação, e em seguida com as candidaturas do operário Lula à presidência do País, com a possibilidade de que um acontecimento tão revolucionário, um proletário no poder, pudesse acontecer no Brasil. Pela primeira vez me empenhei de verdade em uma campanha política, fui a comícios e passeatas, panfletei, me integrei à equipe que formulava os planos de governo. A ascensão de Lula ao poder presidencial me encheu de orgulho, de fé, da certeza que meu país, meu povo, minha cultura estavam dando um passo inédito e decisivo em direção a um futuro mais promissor, mais confiável, mais justo, mais inteligente. E estava. Agora, na maturidade, minha esperança é que a disputa eleitoral que acontecerá depois de amanhã entre nessa minha pequena lista de eleições para não esquecer. E continuo apostando na linha traçada por Lula: inclusão social, inclusão cultural, o Brasil como potência econômica e humanística.  

Orlando Senna é diretor de “Iracema, uma Transa Amazônica”, junto com o Jorge Bodanky, roteirista, um dos fundadores da Escuela de San Antonio de Los Banos, de Cuba. Foi subsecretário de Audiovisual da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro, no governo Benedita da Silva

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