Editorial Correio Braziliense
Acerta o governo ao pedir a abertura de painel com
comitê de arbitragem na Organização Mundial do Comércio (OMC) para verificar se
a nova lei agrícola dos Estados Unidos (Farm Bill) contempla subsídios aos produtores
locais de algodão. Aprovada há duas semanas pelo Congresso norte-americano, a
lei institui seguro agrícola para cobrir perdas provocadas por oscilações de
preços e problemas climáticos. A alteração na política de proteção aos
produtores de algodão dos EUA ocorre em momento crítico nas relações com o
Brasil, que, desde 2009, tem autorização que envolve subsídios aos mesmos
produtores. A retaliação foi evitada porque o Brasil aceitou substituí-la pelo
pagamento de US$ 147 milhões por ano aos produtores brasileiros. Mas esse
acordo foi quebrado em outubro, quando o governo de Washington suspendeu os
pagamentos, alegando problemas orçamentários. Aguardando solução, o Brasil foi
surpreendido pela nova legislação, movida pelo poder eleitoral dos agricultores
americanos. O presidente Barack Obama não tem poder para revogar a lei nem
votos no Congresso para derrubá-la. Mas a iniciativa brasileira de protestar e
levar o assunto à OMC segue o rito das negociações e contendas do comércio
internacional. O momento é adequado. A presidente Dilma Rousseff está cumprindo
intensa agenda de contatos na Europa e participa hoje de cúpula de
entendimentos que prepara a apresentação de propostas do Mercosul à União
Europeia (UE) para a formatação de sonhado acordo bilateral de comércio entre
os dois blocos. Dilma havia se irritado com a decisão da UE de questionar na
OMC a política brasileira de incentivos à produção na Zona Franca de Manaus,
bem como a crescente reação protecionista do país que, em 2013, abriu 39 processos
antidumping. Ela chegou a cancelar a viagem à Europa, mas, felizmente, foi
convencida por empresários a mudar de ideia. Ainda bem. As relações comerciais
entre grandes parceiros internacionais costumam evoluir acima de contendas
localizadas e os mecanismos de queixas existem para ser usados. É o caso da
OMC, que o Brasil ajudou a criar e, recentemente, a salvar do esvaziamento.
Tanto é assim que, apesar de fazer a acusação contra o Brasil, a UE não alterou
o propósito de avançar na construção do acordo com o Mercosul, que pode criar
mercado livre de 750 milhões de pessoas e comércio de US$ 130 bilhões por ano. Ao
apresentar queixa contra os Estados Unidos e ao aceitar debater a reclamação
dos europeus, o Brasil retoma a tradição de maturidade diplomática, não se
movendo pela irritação e tampouco deixando de reagir para defender seus
interesses.
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