Não é de agora que há numerosas declarações sobre a convocação de uma Constituinte restrita ou Mini-Constituinte, etc... No entanto, hoje é a própria presidente Dilma Rousseff que vem de propor um amplo debate sobre a convocação de um plebiscito para fazer uma reforma política “ampla e profunda” via Constituinte exclusiva. Quero, de logo, me insurgir contra qualquer proposta nesse sentido – com o respeito que os seus defensores merecem – eis que não vive o país sob o signo de uma ruptura político-institucional. Não é necessário fazer em retroação mais longínqua no tempo. Basta 1964. Qual a semelhança entre o Brasil de hoje e o daquele ano? No primeiro semestre de 1964, sob os impulsos de um movimento popular, fruto ou não de equívoco, as Forças Armadas, com o apoio, manipulado ou não, de significativa parcela da classe política (parlamentares, governadores e prefeitos), destituíram o Presidente da República e operaram lesões na ordem político-institucional vigente, através dos chamados atos institucionais. Após um período de convivência da Constituição de 1946 com os atos institucionais, o Congresso Nacional foi chamado a institucionalizar o quadro jurídico resultante, através da elaboração da nova Constituição, que foi promulgada a 24 de janeiro de 1967 e entrou em vigor a 15 de março do mesmo ano. Durou pouco e, no curto espaço de tempo de sua vigência, ouviram-se as primeiras vozes em favor da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, ideia que, informalmente, foi defendida, desde abril de 1964, pelo saudoso Senador pela Bahia, Aluísio de Carvalho Filho. A ideia não prosperou, uma vez que a 13 de dezembro de 1968 o estamento militar impôs ao Presidente da República a edição de ato institucional de nº 5, que promoveu a completa ruptura político-institucional. Eis aí o motivo forte de então para a convocação da Assembleia Nacional Constituinte: a imperiosa saída da excepcionalidade institucional para a plenitude do Estado de Direito. Como pois, no momento atual pretender alguém negar a existência de um tempo de liberdade e da plenitude do Estado de Direito? É o que me leva a adotar opinião contrária ao chamado novo pacto constituinte. Ademais, a doutrina consiste em ver a Constituição como lei fundamental, onde se resguardam, acima e à margem das lutas de grupos e tendências, alguns poucos princípios básicos, que uma vez incorporados ao seu texto tornam-se indiscutíveis e insuscetíveis de novo acordo e nova decisão. Como não é todos os dias que uma comunidade política adota um novo sistema constitucional ou assume um novo destino, cumpre extrair da Constituição tudo o que permite a sua virtualidade, ao invés de, a todo instante, modificar-lhe o texto, a reboque de interesses meramente circunstanciais.
Bernardo Cabral é jurista, ex-ministro, ex-deputado constituinte e ex-senador do Amazonas.
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