Discurso antológico do senador Contarato. Repudiando a completa e lamentável omissão do Senado Federal no combate à LGBTfobia. Nenhum senador teve a grandeza nem o desprendimento de se manifestar. A esmagadora maioria está preocupada com o próprio umbigo. Triste quadra a que vivemos.
O discurso:
O SR. FABIANO CONTARATO (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - ES. Para discursar.) – Obrigado, Presidente.
Perdão, meu querido Senador Lasier.
Eu pediria a atenção dos colegas para hoje.
No dia 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde excluiu do Código Internacional de Doenças a homossexualidade. Mas será que realmente nós vivemos num Brasil que prima pela efetivação daquele fundamento expresso no art. 3º, inciso IV, que diz que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é promover o bem-estar de todos e abolir toda e qualquer forma de discriminação? Infelizmente, não. O Brasil é um dos países que mais mata a população LGBTQIA+.
E aqui eu quero também fazer a minha homenagem à Defensoria Pública, porque, se você quer ver como um Estado trata a população, olhe como ele trata a Defensoria Pública, olhe como ele trata a isonomia que deve existir entre juízes, promotores e defensores públicos, porque o principal destinatário da Defensoria Pública é a população mais pobre, hipossuficiente, pobres, negros, índios, quilombolas, população LGBTQIA+, mulheres, crianças, idosos, pessoas com deficiência. Quer ver como o Estado brasileiro quer o bem da população brasileira? Olhe como ele trata a Defensoria Pública.
Eu rendo as minhas homenagens à Defensoria Pública, porque eu fui estagiário na Defensoria Pública, e só quem tem a empatia de se colocar no lugar de vocês sabe efetivamente o serviço que vocês prestam para a população brasileira.
O meu muito obrigado.
Mas hoje eu subo a esta tribuna para denunciar, para denunciar, Sr. Presidente, que hoje, no Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, num Brasil em que mais se mata a população LGBTQIA+, este Congresso Nacional permanece deitado eternamente em berço esplêndido.
Aqui, quando eu vejo colegas Senadores apontando o Supremo Tribunal Federal como estaria legislando, usurpando uma função do Legislativo, eu recobro a função das supremas cortes no mundo. Nós representamos o comportamento majoritário da população brasileira, porque nós fomos eleitos pelo voto; agora, as supremas cortes, não. Elas desempenham três papéis fundamentais: o primeiro contramajoritário, elas têm o poder de invalidar atos de outros Poderes quando violem a Constituição, sejam do Legislativo, sejam do Executivo; o segundo papel das supremas cortes no mundo é um papel representativo, nós não aplicamos, elaboramos leis ao seu tempo e a hora, e aí a necessidade de o Poder Judiciário dizer o direito; e o terceiro papel, que eu reputo de extrema importância, das supremas cortes é um papel iluminista, que é o papel de empurrar a história para o rumo certo. Isso aconteceu, Sr. Presidente, em 1954, quando a Suprema Corte dos Estados Unidos proibiu a segregação de crianças negras nas escolas públicas e foi contrária a uma decisão majoritária; depois, a Suprema Corte da África do Sul aboliu a pena de morte e, contrariando a maioria no Poder Legislativo, empurrou a história para o rumo certo; depois, a Suprema Corte de Israel, que aboliu a tortura em qualquer hipótese, mesmo para aqueles condenados pela prática de terrorismo. E eu reputo um quarto fato fundamental em que a Suprema Corte empurrou a história para o rumo certo, que foi a decisão do Supremo Tribunal Federal quando admitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Naquele momento, o Supremo Tribunal Federal empurrou a história para o rumo certo.Agora, é necessário que nós façamos a nossa autoanálise, porque esta Casa, sistematicamente, fecha a porta não só para a população LGBTQIA+, mas também fecha a porta para os pretos, pobres, índios, quilombolas. Basta ver a representatividade que nós temos aqui. Qual a representatividade que nós temos aqui de mulheres, da população LGBT, dos índios, dos quilombolas, dos pobres? Infelizmente, esta Casa está longe de um recorte sociológico para representar a maioria da população brasileira.
Eu quero aqui fazer um alerta de que aqueles que julgam o Supremo... Eu pontuo para os senhores, para recobrar a memória: direito ao casamento civil, decisão do Supremo; direito à doação de sangue, decisão do Supremo; direito à declaração de imposto de renda em conjunto, decisão judicial; direito a recebimento de pensão em hipótese de morte, decisão judicial; redesignação sexual não foi pelo Legislativo; direito à adoção... Eu tenho dois filhos, que são a razão da minha vida. Foi graças à decisão judicial; não foi graças ao Poder Legislativo, porque o Poder Legislativo, nós ficamos aqui em estado de letargia proposital, em um comportamento fundamentalista, colocando para debaixo do tapete esses temas que, para vocês, são caros.
Eu quero deixar claro para os senhores que a família de vocês não é melhor do que a minha, que meus filhos não são piores que os seus. Assim como Martin Luther King teve um sonho, eu também tenho um sonho. Eu sonho com o dia em que eu não serei julgado por minha orientação sexual. Eu sonho com o dia em que meus filhos não serão julgados por serem negros. Eu sonho com um dia em que as mulheres não serão julgadas por serem mulheres. Esse dia ainda não chegou, minha gente! Mas o que nós estamos fazendo para mudar essa triste história?
Quando eu vejo colegas Senadores aqui, Senadora Nilda, falando que o Supremo está legislando, claro, isso é premissa no direito. O Poder Judiciário não pode se eximir de dizer o direito. O Supremo está empurrando a história para o rumo certo.
Fica aqui a reflexão. Eu quero que, num curto espaço de tempo, nós aprovemos aqui... E aí eu quero ver, olhar nos olhos de cada Senador e Senadora, ao apresentar uma PEC para colocar lá na Constituição, onde deve estar, o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Aí eu quero ver, porque aquele Senador que for contra está falando que ele é contra a minha família, ele está negando um direito a milhões de brasileiros e brasileiras. Pensem nisso! Tenham empatia! Coloquem-se na dor do outro, num país em que mais se mata LGBT, num país que expulsa os jovens de dentro de casa quando eles são declarados pela orientação sexual, num país em que as pessoas são hostilizadas, subjugadas, ofendidas moralmente, ofendidas em sua integridade física. Senhores, não façam isso.
As pessoas nos perguntam quem nós somos. Nós somos os seus dentistas. Nós somos os seus médicos. Nós somos os seus pedreiros. Nós somos os seus defensores públicos. Nós somos os seus políticos. Nós somos os seus enfermeiros. Nós somos os seus advogados. Nós vivemos com vocês, nós cuidamos de vocês, nós amamos vocês. Apenas pedimos que nos deixem viver com dignidade.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
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