segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024
Sonhos envelhecem? Ou foi você? - Ilana Trombka - Correio Braziliense - Opinião 21/02/2024
Mas o relógio anda, as responsabilidades aparecem, o "corre" do dia a dia ocupa seu lugar de destaque. Não é que não sonhamos mais...Só que o tempo para isso começa a ficar diminuto
A juventude é um momento pródigo para se planejar o futuro. E é tão profícuo que não nos contentamos em pensar o que a vida reservará para nós. Somos capazes de antever como será o mundo, por olhos que, no afã de querer conquistar o que está para ser vivido, reconstroem suas histórias e de toda a sociedade. É aquele momento em que não somos mais crianças e entendemos a complexidade das coisas, mas também não somos adultos, para ter a responsabilidade que o tempo traz. A liberdade grassa livre e linda, como um pássaro que aprende a voar e seu único limite são suas asas.
Mas o relógio anda, as responsabilidades aparecem, o "corre" do dia a dia ocupa seu lugar de destaque. Não é que não sonhamos mais...Só que o tempo para isso começa a ficar diminuto. Na verdade, a fase adulta não limita os sonhos, mas os põe em um lugar secundário, onde só podemos estar quando fechamos os olhos à noite. E, às vezes, tão cansados nem lembramos mais do que sonhávamos. As asas parecem pesadas e os voos são mais curtos.
Alguns dirão que é o efeito da rotina ou das responsabilidades. Outros mostrarão os cabelos brancos ou, ainda, os poucos cabelos. Mas há um grupo que não se desfez de seus sonhos, apenas os deixou dormindo para que pudessem se encontrar à noite no silêncio do luar ou no amanhecer com os raios de sol. Eu sou desse grupo. Nunca os esqueci mas, é verdade. Deixei-os descansando por um longo sono, sabendo que estavam ali, em um canto confortável de minha cama, cobertos e quentinhos, como sementes sendo preparadas para eclodir.
Foi o que aconteceu há poucos dias, quando depois de mais de duas décadas e meia finalizei minha formação acadêmica com a obtenção do título de doutora. Um desafio de fôlego para quem teve que conciliar os estudos com o trabalho, com a família e com as responsabilidades da vida adulta.
Diz-se, na academia, que a formação de um pesquisador deve ser feita logo após a graduação pois, assim, haverá mais tempo para consolidar a pesquisa em sua trajetória. Eu acho, respeitosamente, que é porque a maioria ainda pode voar alto no limite se suas asas nessa época, sem compromissos maiores com os ritos da vida adulta.
Aprendi, nessa caminhada — e minha aprovação com distinção não me deixa mentir—, que a maturidade e a experiência têm seu valor em todos os lugares, inclusive na academia. Somos mais corajosos para discordar e temos "horas de voo" suficientes para antever uma tempestade de longe. Conseguimos colocar nossas opiniões sem pressa, raciocinar e construir argumentos com sabedoria e, ao fiml, contribuímos para aproximar a ciência da prática de mercado —afinal a conhecemos de perto.
Por outro lado, sabemos aproveitar o que de melhor se tem na vida estudantil: a criação de novos vínculos, a busca pelo aprendizado e até o chope despretensioso ao fim da aula com os colegas (onde aparecem, milagrosamente, as mais promissoras ideias de teses). São momentos prazerosos que mostram que é sempre tempo de acordar nossos sonhos do sono profundo para poder vivê-los de olhos abertos. O gosto da conquista é mais doce, e não menos emocionante.
Nossos sonhos não envelhecem. Nós, sim. Nós envelhecemos, apenas para conhecer melhor os caminhos de fazê-los acontecer.
*ILANA TROMBKA, Diretora-geral do Senado Federal e doutora em administração de empresa — Eaesp/ Fundação Getulio Vargas (FGV)
Link para matéria: https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2024/02/6805893-sonhos-envelhecem-ou-foi-voce.html
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