quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Sarney, estadista reconhecido em vida

“O importante não é o que fazem do homem,
mas o que ele faz com que fizeram dele”.

Jean-Paul Sartre

Por Said Barbosa Dib*

Não se sabe se Sartre, filósofo existencialista, escritor, ateu e materialista, conheceu o também intelectual e político maranhense, José Sarney, católico fervoroso, místico assumido, hipocondríaco. Mas o francês bem poderia ter se inspirado no autor de “Marimbondos de Fogo” para criar o que definia em sua filosofia como “homens autênticos”, aqueles que sabem assumir posições, que conseguem dar sentido às suas ações, à suas existências, principalmente quando as adversidades da vida (“o que fazem dele”) assim o exigem. Sartre diferenciava esta espécie de homens daqueles que não tomam posição, não assumem responsabilidades, os “inautênticos”. Estes, segundo o pensador, diante dos vários caminhos que a vida proporciona, ao terem que enfrentar a “angústia inexorável da escolha”, ao experimentarem “o peso da liberdade”, se sentem no vazio e encolhem, aninhando-se no que chamava de “má fé”. Sarney se mostrou paradigma do primeiro tipo, os homens de “boa fé”, quando, diante da trágica morte de Tancredo, foi alçado à Presidência num contexto extremamente adverso e delicado de transição política, de profunda crise econômica e revanchismos de todos os lados. Mas, não se encolheu. Tornou posição, assumiu responsabilidades, cumprindo todos os compromissos da Aliança Democrática. A missão não foi nada fácil. Além dos profundos problemas políticos e econômicos que herdara, a imprensa, amordaçada por anos e se aproveitando da natural frustração das massas em decorrência da morte do presidente eleito, ao longo de toda a “Nova República” não deu tréguas. Constantemente tentou abstrair o papel de Sarney - junto com Tancredo, Marco Maciel, Aureliano, Montoro e outros - da complexa e delicada negociação com vistas à eleição do governador mineiro. Não havia qualquer clima favorável ou mesmo compreensão, por parte da mídia, para a necessidade, pelo menos, de se dar um tempo para se construir a governabilidade. Lastreado pela sua história de vida e sua índole pacificadora, o presidente Sarney teve que conquistar esta condição, a despeito da mídia e dos que se diziam aliados, ou seja, só pôde contar consigo mesmo, com sua boa-fé e suas extraordinárias vontade política e capacidade de conciliação. O esforço vem sendo gradativamente reconhecido no Brasil e até no exterior.

José Sarney: “verdadeiro político cinco-estrelas”

Ronald M. Schneider, professor de Ciência Política do Centro de Pós-Graduação da Faculdade Queens, da City University of New York, realizou estudo comparativo dos líderes mundiais, em especial da América - Latina, onde apontou o senador José Sarney como o “melhor chefe de governo para uma transição democrática”. No estudo, realizado por décadas pela universidade, a avaliação teve como base a complexidade e variedade de desafios enfrentados por um líder de governo. A atuação de José Sarney em assegurar a transição democrática no Brasil, orientando o País em seu primeiro governo civil, depois de 21 anos de arbítrio militar, foi o destaque. Schneider destaca a participação do ex-presidente na convocação da Constituinte e na elaboração “da nova e moderna Constituição de 1988”. O documento menciona ainda José Sarney como recordista mundial em eleições vencidas para deputado, governador e senador. E como “melhor presidente com desempenho intelectual em obras literárias”.


Confira a seguir uma tradução livre da íntegra do documento, denominado Comparative Latin American Politics:


“1. Melhor executivo-chefe para a transição para a democracia

Este julgamento leva em conta a complexidade e variedade de desafios, tanto em assegurar a transição pós-1984, quanto guiar o país durante a jornada pedregosa que vai do primeiro dia de governo civil, passando pelas eleições de 1985, 1986 e 1989, bem como a elaboração e implementação de uma constituição moderna, nova; um programa econômico original e inovador, o pioneirismo em programas sociais; e os passos cruciais para a integração econômica regional.

2. O campeão mundial em eleições vencedoras (invicto em mais de cinco décadas)

Nenhum outro líder chega perto de seu recorde em longas e ininterruptas eleições vencedoras, como deputado federal, como governador, e vários mandatos para o Senado (Consulte coleção anexados de páginas manuscritas a este respeito)

3. Melhor performance presidencial por um intelectual notável

Como regra, os intelectuais proeminentes, autores literários particularmente, têm sido grande decepção como chefes de Estado ou de governo. Sua estatura em prosa e poesia, com tradução em várias e principais línguas estrangeiras, faz com que ele se destaque.

4. Campeão do mundo em manter um papel de liderança política

Ainda preside o Senado, cerca de 22 anos depois de deixar a Presidência da República, além de ser líder de ranking do partido que ainda é indiscutivelmente o maior do país (PMDB).

5. Único ex-presidente a se tornar posteriormente figura de liderança no Congresso do país

Essa conquista não conhece paralelo, envolvendo quatro mandatos de dois anos como presidente do Senado. Ainda continua, quando a maioria dos outros ex-presidentes têm sido reduzidos, na melhor das hipóteses, a respeitados estadistas mais velhos, notados em raras ocasiões cerimoniais ou reclusos em suas bibliotecas presidenciais. Essas conquistas e contribuições únicas e excepcionais fazem de José Sarney político cinco-estrelas, combinação de verdadeiro político e estadista.

Esta avaliação é baseada em várias décadas de intenso estudo comparativo de lideranças políticas em todas as regiões do mundo.

Ronald M. Schneider, professor de Ciência Política da Faculdade de Queens e Graduate Center, City University of New York.”


Abertura política

O estudo do professor Schneider tem fundamentação histórica diante da complexidade e dificuldade da tarefa empreendida por Sarney no processo de transição para a democracia no Brasil pós-Regime Militar. Sem voto, sem ter sido eleito para a tarefa, sem respaldo de seu próprio partido, coube a José Sarney assumir o comando da redemocratização. Como destaca o consultor do Senado, Pedro Costa, autor do livro “Vinte Anos de Democracia”, as circunstâncias, seu temperamento e sua formação, conduziram Sarney ao caminho da aceleração da abertura política. Trabalhou com os militares, não contra eles, como lhes disse, profissionalizando as Forças Armadas e levando-as de volta aos quartéis. Imediatamente liberou a política partidária, com o ato simbólico de receber no Planalto Giocondo Dias e João Amazonas, os dois partidos comunistas, e restabeleceu as eleições diretas nos antigos municípios de segurança nacional. Logo em seguida convocou a Assembléia Constituinte. Nos cinco anos de seu governo solidificaram-se as instituições. As eleições se sucederam em absoluta tranqüilidade. A imprensa nunca foi tão livre. A sociedade encontrou o caminho de uma democracia que não se esgota na eleição de seus representantes, mas se prolonga na consciência de cidadania. Pela primeira vez o brasileiro considerou-se cidadão, senhor de seus direitos, capaz de por eles se manifestar e exigir.


A preocupação com o social

A opção de “Tudo pelo Social” refletiu o empenho em voltar o Estado para os mais humildes. O Programa do Leite simboliza, em seus números, o gigantesco esforço que se fez: 1 bilhão e 300 milhões de litros distribuídos a 7,6 milhões de famílias. O vale-refeição tinha 18 milhões de beneficiados por dia; o vale-transporte, 26 milhões. Criou-se o seguro-desemprego. 58 milhões de crianças passaram a ser atendidas diariamente pela merenda escolar. A farmácia básica do CEME chegou a 50 milhões de pessoas. A reforma agrária, instituída em 1965, finalmente começou a ser realidade. A área irrigada aumentou em 1 milhão de hectares. A cultura tornou-se um desafio do governo. A pesquisa científica, recebendo apoio incondicional — foram dadas 133 mil bolsas de estudo, mais do que em todos os anos anteriores do CNPq juntos —, alcançou resultados importantes no enriquecimento do urânio e domínio da água pesada, com fibras óticas e de carbono, com lasers de alta potência. Foi criado o IBAMA e iniciada a defesa sistemática do meio ambiente. O Calha Norte marcou nossa soberania sobre a Amazônia. A conquista do Plano Cruzado foi ter transformado a economia do Brasil, aberto as portas sociais.


A transparência financeira e os resultados econômicos

Ter permitido a reforma do Estado, com a extinção da conta-movimento do Banco do Brasil, a unificação do orçamento da União, a criação do SIAFI, da Secretaria do Tesouro. Ao final do governo, Sarney tinha um resultado que, visto com os olhos de hoje, é surpreendente: crescimento e pleno emprego — o PIB per capita em dólares dobrou, chegando a US$ 2.923 (em 2004 estava em US$ 2.789), enquanto o desemprego era o menor de nossa História (2,36%). O país era a 7a potência industrial do mundo. Tivemos 67 bilhões de dólares de saldo comercial (contra um déficit de 8 bilhões de dólares no período de 1995/2002) O PIB passou de 189 para 415 bilhões de dólares, e a dívida externa caiu de 54% para 28% do PIB. A produção de petróleo passou de 2,7 para 8 bilhões de barris. A safra agrícola passou de 50 para 60 milhões de toneladas de grãos. No setor elétrico, a produção aumentou em 24,1%, o número de consumidores em 22,3%, foram investidos 29 bilhões de dólares. O déficit primário de 2,58% do PIB foi transformado em superávit de 0,8%. Em 1990, Sarney entregou a seu sucessor — eleito em eleição direta e completamente livre — um país renovado. Transformado nos planos econômico, social e político. Cumpriu-se, assim, o compromisso de Tancredo: o Brasil tornou-se uma grande democracia.


O reconhecimento nos dias de hoje

Trinta e nove senadores e 61 deputados foram apontados, há alguns dias, como os 100 "Cabeças do Congresso Nacional", na 19ª edição do prêmio promovido pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Os senadores José Sarney (PMDB/AM) e Eduardo Suplicy PT/SP) são os únicos indicados como "formadores de opinião". O presidente Sarney, mesmo representando um estado nortista e ainda fraco política e economicamente, está na seleta lista de quatro parlamentares que participaram de absolutamente todas as edições dos “Cabeças do Congresso”. Os demais são representantes de estados economicamente fortes e politicamente poderosos: os senadores gaúchos Pedro Simon (PMDB) e Paulo Paim (PT) e o paulista Eduardo Suplicy (PT). Da lista do 100 “Cabeças do Congressos”, posteriormente, são escolhidos os “10 Mais” do Congresso. A elite da elite parlamentar em termos de liderança. Sarney, além de ter participado de todas as edições do 100 mais influentes,  é  o único que fez parte do seleto grupo dos “10 mais” do DIAP por onze vezes, nas edições de 1996 (2º lugar), 1997 (2º lugar), 2003 (2º lugar), 2004 (2º lugar), 2005 (6º lugar), 2006 (6º lugar), 2007 (4º lugar), 2008 (3º lugar), 2009 (5º lugar), 2010 (4º lugar) e 2011 (3º lugar). Agora, em 2012, o DIAP ainda não divulgou a lista, mas com certeza o ex-presidente estará nela.

Assim o DIAP define o perfil político do senador José Sarney

José Sarney – PMDB/AP – senador, 5º mandato, advogado, professor universitário, escritor, jornalista e empresário. Sexto ocupante da Cadeira 38 da Academia Brasileira de Letras desde 1980. É, ainda, membro da Academia de Ciências de Lisboa. Um dos políticos mais influentes da República, tem mais de 50 anos, não só de vida pública, mas também de mandatos eletivos ininterruptos. Já passou pelos principais cargos que um homem público pode almejar, tendo sido, por diversas oportunidades, líder partidário e presidente de comissões importantes do Legislativo federal. Pelo Maranhão foi deputado federal em duas legislaturas (1958-1962 e 1962-1966), senador por dois mandatos sucessivos (1971-1978 e 1978-1985) e governador do estado (1965-1970). Vice-presidente e presidente da República  (1985-1990), conduziu o difícil processo de transição democrática depois de 21 anos de ditadura militar. Eleito e reeleito senador pelo Amapá, está no terceiro mandato pelo estado (1991-1998, 1999-2007 e 2007-2015). Neste período, presidiu por três vezes o Senado Federal (1995-1997, 2003-2005 e 2009-2011). Parlamentar de grande prestígio, influência e capacidade de articulação, foi defensor e um dos principais conselheiros do governo Lula no Congresso, mantendo a mesma postura agora com o governo Dilma Rousseff. É pai da governadora do Maranhão Roseana Sarney (PMDB-MA) e do deputado federal Sarney Filho (PV-MA), que também está na lista. É o único que fez parte do seleto grupo dos “10 mais” do DIAP por 11 vezes, nas edições de 1996, 1997, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009,  2010 e 2011.

  • Said Barbosa Dib é analista político, historiador e assessor de imprensa do senador José Sarney

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