terça-feira, 2 de outubro de 2012

O papel do TCU na fiscalização das obras públicas


Por Valmir Campelo* (Correio Braziliense)

O papel do Tribunal de Contas da União (TCU) na fiscalização das obras públicas se insere numa rede complexa de eventos, na qual sobressai a intensa interação da Corte com o Congresso Nacional. Trata-se de mecanismo que integra a estrutura de todos os Estados Democráticos de Direito, reconhecido como uma evolução histórica na forma de organização política da sociedade, decorrente da luta contra os estados absolutistas e ditatoriais.
No momento em que o tribunal realiza as auditorias de obras públicas e, especialmente, quando encaminha as informações pertinentes ao Congresso Nacional, detalhando todas as particularidades, tais como níveis de execução física e financeira e indícios de irregularidades, de modo a subsidiar a decisão do Congresso acerca da paralisação ou da continuidade do empreendimento, opera-se aí um relacionamento de caráter funcional entre a Corte de Contas e o parlamento, em que as duas instituições adotam coordenação mútua, visando à plena eficácia no desempenho das atividades que lhes competem.
Cria-se, assim, um sofisticado mecanismo de controle das obras públicas, em que a Corte de Contas é chamada a colaborar com o Congresso na fase de exame da proposta orçamentária, oportunidade em que o parlamento decide acerca da paralisação ou não da execução orçamentária, física e/ou financeira dos empreendimentos.
Os bons resultados advindos dessa sistemática de fiscalização, com grandes economias para os cofres públicos e com a prevenção de potenciais danos ao erário, é a tônica que permeia todos os esforços empreendidos pelos órgãos de controle, à luz do princípio da eficiência. Nesse contexto, por vezes, surgem vozes desavisadas a atribuir ao TCU a responsabilidade pela inexecução de empreendimentos fundamentais para o país, com a alegação de suposto rigor excessivo em suas decisões, colocando em dúvida os resultados das ações a cargo do tribunal, sob o argumento de que "obra cara é obra parada".
A acusação é inteiramente injusta e infundada. Creio ser possível creditá-la à falta de conhecimento sobre a maneira técnica e cuidadosa com que atua o TCU nesse campo, quando jamais deixa de sopesar as consequências de suas deliberações, sabendo que uma obra inacabada configura situação indesejada sob vários aspectos, e desperta a indignação de toda a coletividade.
Para desmitificar a errônea ideia de que o TCU é o grande culpado por eventuais paralisações, esclareço que, na verdade, historicamente, a principal causa de paralisação de obra pública se refere a problemas no fluxo orçamentário/financeiro, com praticamente 80% dos casos. Em apenas 1,66% das situações, o motivo determinante tem a ver com alguma deliberação da Corte de Contas.
É que a atuação do TCU nesse tipo de acompanhamento pauta-se pela tentativa de preservar ao máximo a continuidade do empreendimento, mediante atuações preponderantemente corretivas. Somente quando se depara com fatos extremamente graves, em que a continuidade da obra pode representar risco de prejuízo de difícil reparação, é que o tribunal adota a providência extrema, no sentido de exigir medidas como a anulação ou a rescisão de contratos.
Exemplifica bem esse posicionamento a postura do tribunal frente às obras de ampliação da malha ferroviária nacional. Nesse sentido, basta ver que, no caso das obras da Ferrovia Norte-Sul, não houve nenhuma decisão do tribunal que resultasse em paralisação de obras. O que de fato ocorreu na fiscalização desse importante empreendimento foi a pronta intervenção do TCU visando à reparação de vultosos prejuízos causados aos cofres públicos, no montante de mais de R$ 500 milhões, a preços originais, em razão de indícios de sobrepreços/superfaturamentos verificados em diversos trabalhos de fiscalização ocorridos desde 2007.
O mesmo pode ser dito em relação ao gigantesco trabalho de fiscalização das obras, serviços e ações de governo destinados à viabilização da Copa do Mundo de 2014, tais como as reformas e melhorias de aeroportos e portos, empreendimentos de mobilidade urbana, arenas, aparelhamento de serviços de segurança e de tecnologia da informação, entre outros, ao custo estimado de R$ 27,4 bilhões. Os acompanhamentos até agora realizados pelo TCU em torno do megaevento, todos de minha relatoria, já proporcionaram uma economia aos cofres públicos superior a R$ 600 milhões. Tais benefícios decorrem de uma atuação prévia e concomitante, realizada sem paralisar nenhuma obra.
É assim que o tribunal vem exercendo suas competências constitucionais junto aos órgãos e entidades da administração federal, priorizando o trabalho preventivo e educativo, para evitar irregularidades e a paralisação das obras públicas.

* Valmir Campelo é ministro do Tribunal de Contas da União, ex-deputado constituinte e ex-senador. Bacharel em Comunicação Social (1968) pela Universidade de Brasília com especialização em administração pública e desenvolvimento urbano na Alemanha.

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