terça-feira, 25 de setembro de 2012

Comunista verdadeira não deveria negar ligação com Sarney


Por Said Barbosa Dib

O grande problema da Federação, num país continental, é quando as lutas locais obrigam os políticos a abrirem mão dos princípios e dos interesses nacionais. Causa estranheza, por exemplo, a declaração do bom senador Ignácio Arruda de que “Não temos nenhuma ligação com Sarney!", publicada no jornal O Povo, em 17 de setembro de 2012. O senador é militante histórico do PCdoB, partido perseguido durante o período militar, colocado na clandestinidade. Graças a Sarney, foi recolocado na legalidade.  E durante sessão solene conjunta do Congresso Nacional, lembrando os 90 anos de fundação do PCdoB, em março de 2012, Ignácio Arruda foi um dos que mais – e melhor - destacaram o papel decisivo do político maranhense no processo.  Em pronunciamento muito bem feito, fez questão de lembrar que foi o presidente Sarney quem garantiu isso ao PCdoB, ao receber Giocondo Dias, João Amazonas e outros líderes da esquerda no Palácio do Planalto, algo que nem Tancredo cogitava fazer, por medo de reação de setores da chamada ‘Linha Dura’. Disse que foi um ato simbólico importante para a transição democrática. Mas Inácio Arruda, como comunista histórico, já havia se mostrado grato a Sarney em outro pronunciamento. Elogiou a postura corajosa e decisiva de Sarney, em 10/12/2008, quando descreveu de forma emocionada o fato histórico que permitiu a legalização do PCdoB: “Foi nesse período que o Partido Comunista do Brasil alcançou a sua legalidade, num ato também extraordinário do Presidente Sarney. João Amazonas, presidente do nosso Partido, sempre se referia a esse aspecto. Que num gesto só – porque era preciso uma emenda constitucional para legalizar os partidos que estavam proscritos no nosso País –, o Presidente Sarney, dizendo ´puxa vida, mas esse Congresso é muito conservador; ele derrotou as diretas, se eu mandar uma emenda constitucional para lá ele vai derrotá-la, e vai ficar o embaraço; então, vamos encontrar um meio`. Convidou então João Amazonas para ir a Palácio e colocou lá os Dragões da Independência. João Amazonas queria entrar no Palácio ali por baixo, e o Sarney disse: ´Não, vai subir a rampa. Tem de parar lá na avenida, subir a rampa, atravessar os Dragões, e os Dragões da Independência postados para subir o João Amazonas`. E ia junto com Haroldo Lima, que era Líder do Partido, que era Vice-Líder do PMDB. E o Haroldo Lima, levando ali o João Amazonas, e o João Amazonas olhava assim para trás, para os Dragões da Independência, e dizia: ´Mas, Haroldo, nós estamos subindo no canto errado. Não pode ser este lugar aqui. Aqui é o Presidente`. E o Haroldo disse: ´Não, mas o Presidente deu a ordem de que tem que subir por aqui´. E abriu a porta do Gabinete da Presidência da República, mandou entrar todos os jornalistas e anunciou que todos os partidos políticos proscritos estavam legalizados. E ponto. Não teve emenda, não teve lei, não teve nada. Legalizou os partidos dessa forma. E, assim, entramos na eleição de 1986 já com o partido legalizado". Ignácio tá certo. Como comunista, como brasileiro, que ama a democracia, mostra que sua vida tem, sim, ligação com Sarney. Sarney que restabeleceu, ainda, eleições diretas nos antigos municípios de segurança nacional. Logo em seguida convocou a Assembléia Constituinte. Nos cinco anos de seu governo as instituições foram solidificadas. As eleições se sucederam em absoluta tranqüilidade. A imprensa nunca foi tão livre. "A sociedade encontrou o caminho da democracia que não se esgota na eleição de seus representantes, mas se prolonga na consciência de cidadania. Pela primeira vez o brasileiro considerou-se cidadão, senhor de seus direitos, capaz de por eles se manifestar e exigir", nas palavras do próprio presidente Sarney. E por tudo isso, atualmente, sob a bandeira de “um Brasil socialista, um país verdadeiramente democrático e soberano”, o PCdoB conta com dois senadores – o próprio Inácio Arruda (CE) e Vanessa Grazziotin (AM) –, 14 deputados federais, 18 deputados estaduais, 42 prefeitos e 608 vereadores. O partido apoiou todas as candidaturas à Presidência da República de Luiz Inácio Lula da Silva desde 1989. Como Sarney, faz parte da base do governo Dilma Rousseff. É representado no governo pelo ministro dos Esportes, Aldo Rebelo. Tudo isso, senador Ignácio, tem muito que ver com Sarney, sim.

 


Said Barbosa Dib é historiador e analista político em Brasília

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