Creio que o legado mais duradouro de sua curta e atormentada gestão foi mesmo a abertura externa da economia, passo fundamental para a integração competitiva do Brasil no mercado mundial e uma ruptura absolutamente necessária com meio século de uma política mercantilista caduca, baseada no protecionismo tarifário e não tarifário e na manipulação cambial em favor dos 'amigos do rei'. Paraíso para magnatas industriais 'de estufa', inferno para os consumidores e um imenso obstáculo para a inovação tecnológica e gerencial das empresas brasileiras, como, aliás, ensinava o saudoso Roberto Campos, o grande estadista da modernização do Brasil. Felizmente, algumas atitudes diante da vida pública estão mudando, mas, para o meu gosto, ainda há muito formador de opinião acostumado a encará-la como um FLA-FLU ideológico, ou uma mortalha de Penélope, com todas as energias do presente voltadas para a flagelação do passado, e não para a construção do futuro. Creio que o mais justo e o mais condizente com a verdade histórica é compreender o Brasil do último quarto de século em uma perspectiva evolucionária: Sarney, acabando com a famosa conta-movimento do Banco do Brasil e criando a Secretaria do Tesouro Nacional, iniciou o processo de institucionalização de uma política econômica madura e estável; Collor, patrocinando a abertura comercial e defendendo o conjunto de propostas de reforma macro e microeconômica apelidado de Projetão, colocou a sociedade diante de uma incontornável agenda de eficiência, qualidade, produtividade e competitividade; Itamar desferiu um ataque duradouramente vitorioso contra o flagelo da hiperinflação; Fernando Henrique consolidou a estabilidade monetária, tornando todos os brasileiros definitivamente iguais perante a moeda e fortalecendo os pressupostos fiscais dessa estabilidade por intermédio da flexibilização dos monopólios estatais em áreas-chave como petróleo e telefonia e a intensificação das privatizações iniciadas sob Collor e Itamar; finalmente, a recomposição do poder aquisitivo dos trabalhadores desencadeada pelo Real até o atingimento de inéditos patamares do consumo de massa, propiciado por políticas do governo Lula, especialmente o Bolsa-Família e os sistemáticos aumentos reais do salário mínimo, mas também, não nos esqueçamos, por um período prolongado de bonança econômica internacional e pela incrível voracidade do dragão industrial chinês no consumo das nossas commodities agrícolas e minerais, enfim uma conjuntura externa camarada com que nem Sarney, nem Collor, nem FHC puderam sequer sonhar nas suas respectivas gestões. Mas voltando a Collor, a grande lição política das vicissitudes que culminaram com sua renúncia menos de três anos depois da posse foi que nem mesmo o superpresidencialismo brasileiro pode prescindir de uma íntima e complexa parceria com o Congresso e os partidos políticos que o integram na tarefa de assegurar a governabilidade democrática. E o tempo, como elle gosta de lembrar, é o senhor da razão.
Paulo Kramer é cientista político, com doutorado pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), e professor licenciado do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB). Mantém conta no Twitter em homenagem aos pensadores liberais Alexis de Tocqueville e Max Weber.
Paulo Kramer é cientista político, com doutorado pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), e professor licenciado do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB). Mantém conta no Twitter em homenagem aos pensadores liberais Alexis de Tocqueville e Max Weber.
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