domingo, 23 de junho de 2024

Discurso de um patriota no Instituto Histórico de Brasília

Homem público e cidadão respeitado em Brasília e no Brasil, o ministro aposentado do TCU e ex-senador, Valmir Campelo, é o novo e valoroso acadêmico do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal. Discurso de posse de Valmir é uma peça significativa de um bravo patriota e um hino de amor a cidade  onde estudou, trabalhou, criou família e fez enorme legião de amigos dedicados.

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INSTITUTO HISTÓRICO E
GEOGRÁFICO DO DISTRITO
FEDERAL
Senhor Presidente, Doutor Paulo Castelo Branco,
Senhoras e Senhores acadêmicos e demais sócios presentes,
Caríssimos amigos,
Senhoras e Senhores,
"O tempo tudo corrói, mas reserva do morto
a seiva secular do trabalho ou martírio
que foi a sua existência, nobreza ou delírio...
assim, do val amargo aos pórticos deste horto,
se passa o amor, a vida, a crença, a dor e a glória, porém, há
um poder maior que eternamente fica...
A HISTÓRIA!"
É ancorado nesses versos do formidável poeta goiano
Antônio Americano do Brasil que busco na história
conceitos e méritos que possam dar ênfase e brilho às
palavras de alegria e entusiasmo que traduzem a minha
chegada ao convívio de tão ilustres figuras.
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Balizado por essa memorável mensagem poética, que
acolhe o tempo findo, começo falando do passado, que
ajuda a compreender a vida e que para mim é intocável, mas
sem perder de vista a perspectiva do futuro, que alenta a
existência.
Atento à reflexão de Mário Quintana, no sentido de que
"o tempo é a insônia da eternidade", lembro que foi longa a
trajetória e lento o tempo para alcançar a culminância desta
singular tribuna e me incorporar à honrosa companhia dos
eminentes membros do prestigioso Instituto Histórico e
Geográfico do Distrito Federal.
Parti da minha querida Crateús, polo da região centro-
oeste do Ceará, cidade de grande importância na história
política, geográfica e econômica do Estado, com seus
atrativos naturais, como a Reserva Serra das Almas, a Fauna
dos Caboclos, o Canyon e os Poços do Rio Poty, as grutas
e cavernas, o Castelo de Pedra, o Olho d'Água, o Açude
Carnaubal e o Açude Realejo.
Tenho-a como recanto de uma semente ainda intacta
dentro de mim, germinada para carregar eternamente no
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sangue o sentimento de orgulho por ser parte daquele lugar
que arquitetou meu projeto de vida com as lições retidas ao
longo da minha formação geral lá obtida, e que
consolidaram o meu caráter.
Possibilitou-me experimentar o melhor que o mundo
pode oferecer às pessoas, que é a infância feliz e a
constituição de uma família em bases sólidas, parâmetros
essenciais na formação do ser humano, onde buscamos
nossas referências, nossas raízes, enfim, de onde vem a
direção para a nossa caminhada.
Cheguei a Brasília em fins de 1962, atraído, como
milhares de jovens da minha geração, pelo projeto
messiânico de Juscelino Kubitschek. Brasília significava
então para mim a terra das oportunidades, a possibilidade
intuída de participar de um acontecimento grandioso, cujos
desdobramentos eu não poderia jamais imaginar.
Oriundo de família humilde do interior do Ceará, para
cá vim, na certeza de que estaria contribuindo para a
construção de um novo momento da história do Brasil. E
assim tem sido, com muita humildade.
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Ao mesmo tempo, chegando em Brasília, passei a
cumprir uma missão dada por meus saudosos pais, que era
acompanhar a também saudosa irmã, Maria Valdira, que só
poderia morar aqui, com o objetivo de prestar concurso para
ingressar nos quadros da Câmara dos Deputados, sob a
condição de estar acompanhada por um de seus irmãos.
Em passo seguinte, fiz o ensino médio no Colégio
Elefante Branco, alcançando na sequência aprovação no
vestibular para cursar Comunicação Social na UnB,
influenciado pela minha irmã, também jornalista e já
servidora concursada da Câmara dos Deputados.
Complementei a minha formação acadêmica fazendo
dois cursos de especialização em Berlim (Alemanha), sendo
um em Desenvolvimento Urbano e outro em Meio
Ambiente.
Se devo ao Nordeste a capacidade de luta, a têmpera e
a resistência diante das adversidades, devo a Brasília tudo o
que consegui na vida pública.
Nesta terra galguei, com sacrifício e obstinação, cada
degrau da minha carreira.
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Em 1963, ingressei no GDF como datilografo, chefe de
seção, diretor e chefe de gabinete, administrador de
Brazlândia (2 anos), Gama ( 7 anos) e Taguatinga (5 anos).
Depois de ocupar diversos cargos na Administração
local, a proximidade com o público acabou por me
empurrar para a política partidária.
Com a redemocratização do País e a emancipação
política do Distrito Federal, fui brindado com a honra de ser
o Deputado Federal mais votado nas primeiras eleições
realizadas nesta Capital, em 1986.
Na condição de Deputado Federal Constituinte, não só
acompanhei o desenvolvimento dos trabalhos daquela
histórica Assembleia, como também participei, de modo
efetivo, atenta e diuturnamente, da própria elaboração da
Lei Fundamental, cujos 36 anos de vigência iremos
comemorar no mês de outubro próximo, lembrando sempre
da dignificante atuação dos Constituintes, ao longo dos
vários meses de cansativo trabalho e extraordinário
devotamento à nobilíssima missão em que fomos
investidos.
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Orgulhosamente, posso dizer que ajudei a escrever o
Texto Magno de 1988, com uma participação bastante ativa,
importando lembrar que, do total de 913 votações no âmbito
da Assembleia Nacional Constituinte, participei de 912
delas, sendo que apenas o Doutor Ulysses Guimarães,
Presidente, esteve presente em todas as 913 Sessões.
Sempre defendi o Distrito Federal por se tratar de mais
que uma simples unidade federativa ou uma cidade estado,
por ter, além dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, um quarto poder, que seria as Embaixadas,
sediadas em Brasília.
Apresentei emenda com essa justificativa, que dizia que
a União deveria manter a Polícia Civil, a Polícia Militar e o
Corpos de Bombeiros, além das áreas da Saúde e Educação.
A União custeava 100% dessas despesas, graças ao apoio
irrestrito do Relator Geral, Bernardo Cabral e do Vice-
Presidente da Constituinte, Mauro Benevides.
1. O fundo constitucional, limitando esse
percentual, só passou a existir quando eu já
era Ministro do Tribunal de Contas da União.
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A origem do fundo, portanto, era da emenda
que fiz para defender nosso Distrito Federal.
São também de minha autoria as redações de outros
dispositivos da Constituição igualmente expressivos, pelo
alcance dos respectivos conteúdos normativos, a exemplo
dos arts. 243 e o art. 20, é a equiparação dos salários dos
inativos aos que se encontravam na atividade.
Por oportuno, permito-me mencionar, ainda, que
durante todo o período da Constituinte, exerci os elevados
cargos de Vice- Presidente da Comissão da Organização do
Estado, tendo assumido a presidência quando foi
transformado os Territórios em Estado e com a criação do
Estado de Tocantins.
Quatro anos depois (1989), em nova demonstração de
confiança recebida pelo povo do Distrito Federal, fui eleito
Senador da República, concorrendo por apenas uma vaga.
No Senado, tive a honra e o privilégio de conviver com o
expoentes da República, tais como os consagrados
senadores José Sarney, Mauro Benevides, Darcy Ribeiro,
Afonso Arinos, Jutahy Magalhães, Hugo Napoleão, Jarbas
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Passarinho, Marco Maciel, Mário Covas, Fernando
Henrique Cardoso, entre outros.
Em 1997, Deus reservava-me ainda uma surpresa.
Indicado pelo Senado Federal, tive o meu nome aprovado
por unanimidade naquela Casa e pela maioria da Câmara
dos Deputados, para ocupar o dignificante cargo vitalício
de Ministro do Tribunal de Contas da União, onde exerci as
mais relevantes funções, inclusive a Presidência,
permanecendo naquela Instituição mais que secular até
2014, quando deixei a Magistratura para ocupar o
igualmente honroso cargo de Vice-Presidente do Banco do
Brasil.
Senhoras e Senhores,
Posso dizer, sem risco de exagero, que os 62 anos em
que estou nesta cidade correspondem a um dos períodos
mais vibrantes, fecundos e complexos de toda a história do
Brasil.
Assim, sou brasiliense por opção e de todo o coração.
Edifiquei uma vida pública no Distrito Federal sempre
lutando pelo ideal de colocar esta Unidade da Federação à
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altura do seu posicionamento na organização político-
administrativa da nossa República.
Abrigando gente vinda de todos os cantos do País,
Brasília é uma cidade nacional por excelência. O sonho de
realização da cidadania (escola, emprego, assistência à
saúde etc.) atrai, legitimamente, pessoas com as mais
variadas formações e condições sociais, ávidas por
progresso, conquistas e concretização de sonhos.
Estou convicto de que os sonhadores têm um lugar de
destaque neste tempo incerto, em que tantas mudanças e
tantos novos desafios nos interpelam, em que a humanidade
procura incessantemente os caminhos que conduzam à terra
prometida da globalização da dignidade.
Que a prosperidade e a justiça social cheguem a cada
um. Eis o meu sonho e a minha esperança, na certeza de que
não estou sozinho nesses sinceros votos, pois na atual
conjuntura mundial não há lugar para estrela perdida, que é
sempre vista como um minúsculo ponto de luz na escuridão.
Pois que continue assim, Brasília. Prossiga fazendo
história e despertando sonhos e esperança. No porvir,
certamente as gerações futuras poderão testemunhar
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orgulhosamente que a chama de Juscelino Kubitschek
continuará resplandecer nesta terra abençoada.
Com alegria e emoção indescritíveis, vejo esta cidade
hoje plenamente consolidada como capital e centro
gravitacional do País, em todos os sentidos, sendo a
primeira cidade moderna a receber o honroso título de
Patrimônio Cultural da Humanidade.
Posso afirmar, sem modéstia, que fui testemunha e
partícipe dessa façanha reconhecida mundialmente como a
maior epopeia do século XX.
Após um árduo percurso e muitas escalas, numa
sucessão de acasos felizes, que surgiram no meu caminho e
que prefiro entender como a lógica de Deus, que é espiritual
e divinamente sábia, conforme acentua o escritor francês
Georges Bernanos, percebo que o rumo percorrido não
resultou em pura perda.
Afinal, conferindo validade ao dizer de Virgílio, em sua
Eneida, no sentido de que o destino encontrará o seu
caminho, vejo-me aqui sobremodo alteado, ao me integrar
orgulhosamente a esta nobre Casa, justamente reconhecida
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pelos relevantes serviços prestados à memória de Brasília e
a história do País.
Com indisfarçável satisfação, incorporo-me a este
Instituto consagrado como guardião dos conhecimentos
relativos ao passado da nossa capital e à sua evolução,
graças ao gesto consagrador e generoso dos eminentes
pares, aos quais se impõe reconhecer um esforço
continuado em favor da preservação da memória desta
cidade, de modo a transmitir para as sucessivas gerações a
sua história.
Recebo a elevada distinção ora conferida a mim por esta
Casa, e que tanto me desvanece e me comove, como um
prêmio de valor inestimável, a coroar uma carreira de
devotado homem público.
Não obstante a extensa quadra na luta, posso assegurar
que ainda não arrefeceu em mim o ânimo para continuar a
vida de trabalho intelectual, cívico, profissional e político
em defesa do bem comum, agora acrescida, por força do
ingresso nesta venerável instituição.
Acrescento à honra de ingressar na majestosa
instituição a alegria de ser saudado por uma amiga dileta e
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brilhante membro desta entidade, a ex-Governadora do
Distrito Federal e ex-Administradora de Ceilândia,
Deputada Federal Constituinte Maria de Lourdes Abadia.
A ela, minha gratidão pelas amáveis e bondosas
palavras a meu respeito. Estimada Maria de Lourdes
Abadia, esteja certa de que somos todos devedores da sua
lúcida contribuição para o desenvolvimento do Distrito
Federal.
E assim fazendo, quero estender a gratidão à minha
família e à minha terra natal, esta com suas paisagens, sua
gente e seus lugares. A todos eles, devo ao menos muito do
pouquíssimo que sou, como diz Antônio Nobre.
Senhoras e Senhores,
Feito esse necessário passeio por minha biografia, até
mesmo para me alinhar desde logo aos objetivos desta
organização que prima tanto pela rememoração de fatos
históricos, faz-se imperiosa agora uma ligeira abordagem
sobre Milton Ramos, que é o patrono da Cadeira n° 68, da
qual hoje me aproximo, com a enorme responsabilidade de
honrar as tradições do grande arquiteto fluminense,
credenciado por uma trajetória de valor excepcional, e
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amplamente louvado pelo fulgor de sua criatividade, com
que pavimentou o seu definitivo lugar na galeria dos
maiores nomes da nossa arquitetura.
E inegável o seu destaque entre aqueles que
participaram do importante movimento de afirmação da
modernidade arquitetônica no Brasil e do seu posterior
desenvolvimento.
Assim, contribuiu decisivamente para a prevalência da
arquitetura moderna nesta Capital, onde, com a experiência
adquirida nos vários anos de profissão na lida com o
concreto armado, pôde demonstrar a qualidade plástica e
expressividade de sua obra.
Sua visão arrojada e inovadora moldou paisagens
urbanas, deixando um legado que transcende o concreto. A
habilidade única de Milton em harmonizar forma e função
elevou o design arquitetônico a uma forma de poesia visual.
Em síntese, Milton Ramos foi mais que um arquiteto
renomado. Na verdade, ele foi um poeta que esculpiu com
concreto e aço, o seu valioso trabalho que transita pelos
tempos como as "eternidades do minuto", de que fala
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Drummond, para ocupar um território privativo das grandes
realizações.
Por último, peço licença a todos para encerrar a presente
manifestação lendo, despretensiosamente, os seguintes
versos que brotaram em minha mente quando, ao recordar
a maneira extraordinária como foi erguida esta cidade,
passei a refletir sobre a vida dos operários anônimos,
aqueles valorosos e empenhados trabalhadores tão
necessários para as construções, mas cujo reconhecimento
não os alcança. Digo eu:
Sob o sol do meio-dia, ergue-se o anônimo,
Braços firmes, calejados, erguendo sonhos,
Em cada tijolo, um pedaço de vida,
Em cada gota de suor, uma história não ouvida.
Seus passos ressoam no ritmo da esperança,
No chão duro, no concreto, sua dança.
Olhos fixos no horizonte, sempre em frente,
Lutando, criando, construindo, persistente.
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Ninguém lhe conhece o nome, mas seu legado é claro,
Erguendo pontes e lares, seu trabalho é raro.
No silêncio da noite, ao findar do labor,
Repousa o operário, sonhando com amor.
E o mundo segue, moldado por suas mãos,
Um herói anônimo, sem medalhas, sem afãs.
Sua força, seu suor, na história entrelaçados,
Um tributo ao operário, em versos eternizados.
Muito obrigado a todos.
Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal,
em 19 de junho de 2024.
Valmir Campelo

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